Como estamos próximos ao Corpus Christi, é importante meditar textos atuais e patristicos sobre a eucaristia, pão do Senhor para todos o receberem, como graça de Deus e responsabilidade humana. O Concílio Vaticano II coloca-nos que todo o bem espiritual da Igreja está contido na Santíssima Eucaristia, isso é, o próprio Cristo, nossa Páscoa e pão vivo, por sua carne, vivificada e vivificante pelo Espírito Santo, dando vida aos seres humanos. A eucaristia é percebida como fonte e cume de toda a evangelização (PO 1449).
Neste sentido a eucaristia foi um dos sacramentos bem presente na vida das comunidades primitivas, nas quais os cristãos tomavam-na em vista da unidade com a comunidade e com o Senhor Jesus, pão de vida eterna. Vejamos em alguns escritores antigos, a visão da eucaristia como alimento na vida presente e preparação para a vida futura.
A Didaqué, obra do século I, falou que os cristãos deveriam reunir-se no dia do Senhor, portanto no domingo, para partir o pão e agradecer, após ter confessados os pecados, para que o sacrifício fosse puro. A eucaristia andava junto com a prática de vida de modo que se uma pessoa tivesse brigado com uma outra, deveria ter a reconciliação antes, para que assim, o sacrifício não fosse profanado. Deus quer ser louvado pelo testemunho de vida das pessoas.
Ainda na Didaqué, encontramos as orações que eram ditas na celebração eucarística. Sobre o cálice proferia-se uma oração de agradecimento: “Nós de te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste por meio do teu servo Jesus. A ti a glória para sempre”. Sobre o pão partido também se dizia uma oração: “Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelastes por meio do teu servo Jesus. A ti a glória para sempre”. O documento ressaltava a importância do batismo antes da recepção da eucaristia. Vemos a importância da iniciação à vida cristã, tendo o batismo como a porta de entrada dos sacramentos. Após a recepção da eucaristia, as pessoas eram chamadas a fazer o agradecimento ao Pai santo, por seu santo nome, que fez habitar nos corações humanos e pelo conhecimento, pela fé e pela imortalidade que nos foi revelada por meio do seu servo Jesus. Há um agradecimento por todas as coisas criadas e, sobretudo por uma comida e bebida espirituais dadas aos seres humanos, o pão e o vinho consagrados, alimentos para a vida eterna por meio do seu servo, Jesus Cristo.
São Justino de Roma, padre da Igreja e escritor do século II, afirmava que as pessoas depois de receberem o batismo, certamente a crisma, eram conduzidos à comunidade a fim de elevar orações em comum para assim conseguir a salvação. Após as orações dava-se o ósculo da paz. Em seguida a pessoa que presidia a comunidade, geralmente era o bispo, oferecia o pão e uma vasilha com água e vinho glorificando ao Pai do Universo, através do nome de seu Filho e do Espírito Santo, pronunciando também uma ação de graças, que era certamente o prefácio por Deus ter concedido esses dons que dele provêm. Quando a pessoa que preside a celebração termina as orações e a ação de graças, todo o povo aclama dizendo amém, cujo significado é assim seja.
São Justino tinha uma ideia fundamental da eucaristia, da qual ninguém pode participar a não ser aqueles que acreditam na verdade dos ensinamentos de Cristo, no banho que traz a remissão dos pecados e a regeneração vivendo conforme o Senhor ensinou a todos. Justino afirmava que os cristãos não tomavam aquelas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne e sangue por nossa salvação, pois Ele é o Verbo que procede de Deus, é o alimento sobre o qual foi dita ação de graças, alimento que é dado por transformação se nutrem nosso sangue e nossa carne, sendo a carne e o sangue de Jesus encarnado. Tudo isso está em conformidade com os Apóstolos nas memórias, por eles escritas, os quais se chamam de Evangelhos quando Jesus tomou o pão e dando graças disse: “Fazei isto em memória de mim, este é o meu corpo” (Lc 22,19-20). Em seguida tomou o cálice e dando graças, disse: “Este é o meu sangue”, dando a participação a eles.
São Justino colocava também a ajuda que era dada aos necessitados das comunidades e do mundo. Era claro que se bendizia sempre ao Criador de todas coisas pelos alimentos, por meio de seu Filho Jesus e do Espírito Santo. Tudo isso se realizava no dia que se chama de sol, celebrava-se uma reunião de todos que moram nas cidades ou nos campos, e aí se liam as memórias dos apóstolos, ou os escritos dos profetas. Havia depois uma exortação da parte de quem presidia a celebração e fazia convite para imitar esses belos exemplos. Havia em seguida as preces, que eram feitas de pé. Em seguida ofereciam-se pão, vinho e água e o presidente, fazia subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclamava dizendo, Amém. Vinha depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos. Aqueles que possuem alguma coisa e desejavam pela sua livre vontade, partilhar, dava o que bem lhe parecia e o que era recolhido se entregava ao presidente. Este o distribuía aos órfãos, às viúvas, aos que por necessidade ou outra causa eram necessitados, lembrando-se também dos que estavam nas prisões, aos forasteiros de passagem, em outras palavras eram ajudados muitas pessoas necessitadas. Tudo isso era celebrado numa reunião do dia do sol, porque foi o primeiro dia em Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também era o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Portanto era o domingo, dia do Senhor.
Santo Inácio de Antioquia, bispo dos séculos I início do II, falou em remédio de imortalidade em referência à eucaristia. A eucaristia reúne todos ao redor do Senhor Jesus Cristo e ao mesmo tempo o pão consagrado, é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver em Jesus Cristo para sempre.
A eucaristia é o alimento para a vida eterna, que nos prepara para a unidade com o Senhor. Ela ajuda-nos a viver na caridade, no amor a Deus, ao próximo como a si mesmo.
Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.