Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
O tempo atual de pandemia clama pelos valores de esperança e de solidariedade em todas as pessoas de fé. As duas virtudes que se transformam em atitudes devem caminhar juntas na vivência pessoal, comunitária e social, de doção de vida sobre a morte. São Paulo afirma que “a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). É tempo também de vida fraterna e, sobretudo, de olhar aos mais necessitados. A solidariedade se refere à ajuda que é dada para as pessoas mais carentes neste tempo de pandemia da Covid 19. O Senhor nos diz: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40). O tempo é de graça e a palavra de Cristo ilumina a ação com coragem, mesmo diante do sofrimento, de nos voltar ao amor a Deus, ao próximo, como a si mesmo.
A esperança diante das desesperanças.
A esperança é uma virtude teologal essencial para a realidade cristã e atual. Ela alude ao nosso contato com Deus. Nós podemos dizer que carregamos em nosso interior sentimentos de esperança diante da desesperança, da desolação, porque somos pessoas que olham para o infinito com fé. A esperança é o sentimento de aguardar algo novo para a vida presente e futura de quanto se deseja. Nós olhamos para o alto porque somos pessoas de fé em Deus Uno e Trino e, ao mesmo tempo, carregamos a esperança de dias melhores de vida, que por vezes podem vir através dos sofrimentos humanos.
Vemos nessas últimas semanas um aumento considerável do número de infectados e de mortos em todo o país. Muitos analistas afirmaram que a pandemia no Brasil está fora de controle. Há uma crise instalada no país. O avanço da nova variante de Manaus está se espalhando sempre mais pelo Brasil e também em outros países, sendo mais contagiosa que a original, com possibilidade de causar reinfecção. Anunciam-se medicamentos sem eficácia, bem como se vê o cansaço dos profissionais de saúde, a escassez de oxigênio em alguns lugares, a falta de UTIs para pacientes e o colapso nos serviços de saúde. O fato é que a pandemia superlotou os hospitais. Para muitos analistas, o Brasil está se tornando uma ameaça à saúde de todos em nível global. Nesses dias, contabilizaram-se mais de trezentos e dez mil mortos. A crise brasileira deve aludir à valorização da vida sobre a morte.
O texto base da CFE 2021 fala que a pandemia ceifou muitas vidas de nossas comunidades. Foram bispos, padres, religiosos, lideranças comunitárias, civis, políticas, de todas as idades e raças. Vimos casos de mortes na mesma família, onde o marido partiu antes e foi depois a esposa, ou mesmo casos onde diversos membros da mesma família morreram em poucas horas ou em poucos dias. Vimos também casos de mortes de sacerdotes que trabalharam juntos e acabaram partindo em poucas horas e pessoas religiosas que não sobrevieram ao Covid 19. As informações se propagam rapidamente pelas mídias sociais e, neste sentido, viram-se muitos escritos colocando sentimentos de solidariedade e dor pela partida dos seus entes queridos em unidade com os seus familiares. As pessoas suplicam a Deus a oração, a misericórdia e o descanso eterno.
O colapso hospitalar e as enchentes.
Estamos atravessando um momento difícil de colapso hospitalar. As manchetes nacionais e internacionais colocam esta situação. Os leitos nos hospitais estão cheios em muitos lugares do país, de modo que as pessoas estão esperando a sua vez para serem atendidas. Às vezes, esta espera é longa e acabam morrendo em casa. Muitos pacientes são atendidos em cadeiras por falta de leito hospitalar disponível. As pessoas chegam aos hospitais com níveis baixos de oxigenação e necessitam de tratamento imediato.
Decorrido um ano de pandemia, nós carregamos a esperança de que o comitê formado pelos poderes públicos possa ajudar a superar a situação com unidade de ações, ultrapassando o negacionismo de muitas autoridades, grupos e pessoas. Será importante o reforço na divulgação, pelos meios de comunicação social, quanto à necessidade de distanciamento social, higienização das mãos, uso de máscaras e álcool gel. Estas medidas são fundamentais para conter a proliferação do vírus, que já atingiu muitas pessoas, de todas as idades e raças, deixando um rastro de seqüelas no corpo e de óbitos. Os especialistas falam agora de ‘rejuvenescimento da pandemia’ por causa do aumento de casos entre adultos jovens, contribuindo ainda mais para o colapso do sistema de saúde público e privado. Nota-se maior presença de jovens internados nos hospitais.
Para a nossa realidade de Marabá, além da pandemia da Covid 19, nós estamos enfrentando uma enchente com centenas de famílias desalojadas de suas casas, temporariamente acomodadas em locais construídos pelo poder público municipal, e também em locais alugados. O governo estadual e municipal concedeu ajuda material, a Igreja está presente na doação de máscaras e outros meios. O fato é que a fome está voltando e é preciso ajudar essa população, que se encontra nesses alojamentos, cuja difícil realidade é agravada pela pandemia. Pelo Projeto de Santa Dulce dos Pobres da Diocese de Marabá, em unidade com o poder municipal, são oferecidas marmitas de comida para os moradores de rua e para os índios venezuelanos. Esta solidariedade é importante neste tempo difícil.
A importância da vacina.
A esperança por dias melhores está depositada na força que carregamos porque somos pessoas de fé, que olham para o alto, e oram ao Senhor nosso Deus para que possamos ir em frente com alegria e com amor. Confiamos na chegada da vacina. É a força da medicina, da ciência, que tanto trabalhou para oferecer à humanidade esse elemento de combate e proteção contra o vírus da Covid 19. A eficácia das vacinas ofertadas por diversos fabricantes está acima dos cinqüenta por cento, mesmo que a pessoa tenha de receber uma segunda dose. Segundo o Ministério da Saúde, milhões de doses de vacinas deverão chegar para os Estados e para os Municípios nos próximos meses, de modo que a população será gradativamente vacinada, sejam os grupos prioritários, seja a população em geral. Cremos que esse processo de vacinação avançará mais rapidamente no Brasil, pois nosso país também está produzindo doses de vacinas. Tudo isso é motivo de esperança neste tempo de pandemia da Covid 19.
A solidariedade para com as pessoas necessitadas.
A solidariedade é uma virtude humana, um modo de ser perante os mais necessitados, por meio do qual se compartilham idéias e meios de vida, mas, sobretudo é uma virtude cristã, porque fundamentada no amor a Deus e ao próximo. É a caridade que está se realizando. São Paulo afirma que “tudo passa menos a caridade, o amor” (cfr. 1 Cor 13,8). Jesus diz que no julgamento final, “as coisas feitas para os outros foram feitas para Ele ou não foram feitas para Ele” (cfr. Mt 25, 40; 45). Cristo Jesus se identifica com o próximo, de modo que a relação nossa com Deus passa pela pessoa do outro.
O número de óbitos decorrente da Covid 19 já ultrapassou trezentos e dez mil, o que deveria suscitar sentimentos de dor, de solidariedade proveniente das autoridades, e de todo o seguidor e seguidora de Jesus Cristo. Pessoas muito ligadas à nossa vida foram atingidas por essa doença. Mas, não podemos esquecer-nos de outras mazelas em nossa sociedade, as quais também reclamam nossa atitude concreta de solidariedade. O texto da CFE 2021 denuncia o aumento do número de vítimas de feminicídos durante a pandemia e também de homicídios. Portanto, somos chamados a lutar contra a violência que tira a vida das pessoas e buscar a paz que vem de Cristo, porque “o que era dividido, Ele fez uma unidade” (cfr. Ef 2,14a).
A coleta da solidariedade.
A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 coloca também a coleta da solidariedade, muito importante para ser realizada, porque ela manifesta a unidade da Igreja no Brasil. O povo é convocado a fazer esta coleta com alegria e com amor. A igreja necessita de recursos financeiros para a evangelização e a caridade. Neste tempo de pandemia, as contribuições financeiras foram bastante reduzidas, pois a situação social está difícil para todos, mesmo assim, os cristãos são convocados a contribuir por se tratar de um ato de solidariedade, de caridade.
A esperança e a solidariedade como atitudes a serem desenvolvidas.
A vida do cristão deve pautar-se por atitudes de esperança porque Deus é a nossa esperança maior, a vida eterna, e também pela solidariedade, manifestada no amor para com o próximo. Na medida em que cultivamos atitudes de paz e de amor, estamos contribuindo para um mundo de superação das polarizações, das divisões, construindo pontes ao invés de muros, e assim, nos dedicamos às coisas que dão vida e, um dia, à salvação ao gênero humano. As pessoas passam pela pandemia, pela dor e sofrimento, mas a graça de Deus Uno e Trino prevalece sobre todos os males, com esperança e vida na sua integridade.