Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
O dia de finados, dois de novembro, está se aproximando de modo que é fundamental pensar na morte como passagem e na vida presente em ligação com a vida futura, a vida eterna. É o dia de fazer visita ao cemitério, rezar pelas pessoas que marcaram a existência familiar, comunitária, social e na unidade com o Senhor e com a Igreja. A morte faz parte da natureza humana. É o fim das funções vitais do ser humano, nos animais ou em todo organismo vivente[1]. Ninguém gostaria de morrer, porque todos buscam a vida, mas a morte das coisas e dos seres humanos é a certeza de que todas as pessoas passarão com os seus orgulhos, vaidades, prepotências, dinheiro, riquezas, colocando-se nestas suas vulnerabilidades, mas para as pessoas que ouvem e praticam a Palavra de Deus, de Jesus Cristo terão a alegria e o amor pela vida verdadeira, numa dimensão de permanência para sempre, de modo que se muitas coisas terminam com a morte, outras ficarão para sempre. Será importante perceber estas visões da morte e da vida a partir dos santos padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos.
O motivo da ressurreição.
Tertuliano, Padre da Igreja dos séculos II e III, norte da África, dizia que o motivo da ressurreição dos corpos é o julgamento fixado por Deus no qual o próprio ser humano havia existido seja também reproduzido para receber de Deus a recompensa do bem e o castigo do mal. Os corpos serão reconstituídos, porque a alma sozinha não pode sofrer nada, sem uma matéria estável, a carne, e porque o tratamento que as almas sofrerão em virtude do julgamento não foi merecido por elas sem a carne na qual fizeram tudo[2]. Com a morte, o corpo volta ao nada, mas um dia ressurgirá ou para a condenação eterna ou para a vida eterna, devido ao mal ou ao bem realizados na vida.
A morte em vista da imortalidade.
São Cipriano, Bispo de Cartago, no século III afirmou que quando a morte toca o ser humano, este passa à imortalidade, pois a vida eterna não ocorre se antes a pessoa não saiu da vida terrena. A morte humana não é um fim de tudo, mas uma passagem, uma transferência para a eternidade, após ter percorrido toda a estrada no tempo. Desta forma quem não se apressará para uma condição melhor? Quem não desejará transformar-se à imagem de Cristo no esplendor da graça celeste?[3] Mas para chegar à esta nova condição será preciso uma vida em unidade com Deus e com as pessoas.
O altar une a vida dos mortos.
Santo Agostinho, bispo de Hipona, dos séculos IV e V, teve presentes as últimas palavras de sua mãe, antes de sua morte. Mônica, uma mulher que viveu a graça de Deus da santidade, disse para ele e para o seu irmão em Óstia, Itália: “Enterrai este corpo em qualquer lugar, e não vos preocupeis com ele. Faço-vos apenas um pedido: lembrai-vos de mim no altar do Senhor, seja qual for o lugar em que estiverdes”[4]. A oração pelos mortos é muito importante em vista da vida eterna.
O Senhor passou pela morte.
Santo Agostinho, ainda afirmou que o Senhor Jesus também passou pela morte, para dar a todas as pessoas a verdadeira vida. Uma vez que o ser humano estava no pecado e na morte, de modo que Ele assumiu a natureza humana e resgatou a todos do pecado e da morte. Ele prometeu a sua vida para todas as pessoas que o seguem; no entanto ele teve a sua morte como dom para toda a humanidade. É como se Ele tivesse dito que convidava a todos para a sua vida, onde nenhuma pessoa morre e onde haverá a vida verdadeira, a eterna, no Reino dos céus. No entanto antes ele teve que passar pela morte e a morte das pessoas para chegar à vida eterna[5]. O bispo de Hipona ressaltou a união com o Senhor ainda nesta vida em vista da futura: “Ora pois, que vivemos nesta carne corruptível, morrermos com Cristo imitando o comportamento, e amando a justiça, vivamos com Cristo”[6].
A morte está presente no ser humano.
Santo Agostinho também disse que do momento em que uma pessoa inicia a existir neste mundo, é destinada à morte, ainda que nela não tenha este desejo de um avanço na morte. Porém é natural esta caminhada, sendo da própria mudança do corpo e da vida, em todo o tempo desta vida, a pessoa avança junto à morte. A pessoa percebe que um ano após a sua vida, no aniversário do ano seguinte, o seu corpo não é mais o mesmo, pois cada dia torna-se sempre menos as forças daquelas que poderiam permanecer, porque as energias são consumidas diariamente. Diante desta realidade natural, que é a morte, o bispo de Hipona também afirmou a importância de percorrer uma estrada mais longa, aquela dada pelo Senhor, da sua vida imortal, a eterna[7].
A morte diária.
Santo Ambrósio, bispo de Milão, no século IV afirmou que a pessoa humana morre diariamente no desejo e em ato, por causa das limitações das coisas para assim viver com Jesus Cristo. Existindo o médico, deve-se usar o remédio que é graça de Cristo, sabendo que o corpo de morte é o próprio corpo. Desta forma a pessoa pode se afastar do corpo, mas não pode se afastar de Cristo. Estando no corpo, a pessoa não abandone as leis naturais, mas as preferências são os dons da graça do Senhor[8].
A morte redentora.
Santo Ambrósio também afirmou que a um só homem, o mundo foi redimido, de modo que a sua morte foi redentora, a do Senhor Jesus. Ele não julgou fugir da morte como coisa inútil, nem que salvaria a humanidade, evitando a morte. Assim a morte de Jesus é a vida de toda a humanidade. Todas as coisas são marcadas pela sua morte, porque na oração anuncia-se a sua morte, também no oferecimento da eucaristia, anuncia-se a sua morte. A morte do Senhor Jesus é vitória, é sacramento, é a solenidade anual do mundo[9].
O dia de Finados não é o dia de tristeza mas de fé, de esperança e de caridade pela vida de muitas pessoas que partiram desta vida e elas se encontraram com Deus, pelo bem realizado neste mundo. Será um dia de agradecimento a Deus pelo dom de suas vidas e de oração em vista de seu descanso eterno. A vida presente passa de modo que é preciso realizar obras de caridade e de amor para assim a pessoa se apresentar bem diante de Deus Uno e Trino em vista da vida eterna.
[1] Cfr. Morte. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Monotipia Olivieri-Milano, Legoprint – Lavis- Trento, 1998, pg. 986.
[2] Cfr. Tertuliano. Apologético, 48,4. In: São Paulo, Paulus, 2021, pgs. 180-181.
[3] Cfr. Cipriano. La Mortalità, 22-26. In: La Teologia dei Padri, 4. Roma, Città Nuova Editrice, 1982, pg. 243.
[4] Santo Agostinho. Confissões, IX, 11, 27. São Paulo, Paulus, 1997, pg. 258.
[5] Cfr. Agostino. Discorsi, 231. In: Idem, 2, pg. 54.
[6] Ibidem, pg. 54.
[7] Cfr. Agostino, La Città di Dio, 13,10. In: Idem, 4., pg. 241.
[8] Cfr. Do Livro sobre a morte de seu irmão, Sátiro, de Santo Ambrósio, bispo. Ofício das Leitura, 2 de novembro. In: Liturgia das Horas, IV. In: Aparecida-SP, Editora Vozes, Paulinas, Paulus, Editora Ave-Maria, 1999, pg. 1431.
[9] Cfr. Ibidem, pgs. 1431-1432.