Marabá, 11 de dezembro de 2024

O episcopado: dom e serviço

01 de dezembro de 2023   .   

Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

            O episcopado é um dom de Deus e ao mesmo tempo é um serviço em comunhão com a comunidade, à Igreja, à sociedade e ao engrandecimento do Reino de Deus. Como o sacerdócio não pertence à pessoa, mas é o Senhor o protagonista da graça, o eleito é chamado a exercê-lo com fé, com esperança e com caridade para os outros. O episcopado vem do latim episcopatus-us, cujo significado diz respeito à pessoa que exerce a função, a missão de bispo[1], de coordenador de uma Igreja Particular, Diocese.

O Concílio Vaticano II realçou a missão do episcopado. Os bispos sucedem os apóstolos como Pastores das almas, e juntamente com o Sumo Pontífice e sob a sua autoridade perpetuam a obra de Cristo, Pastor eterno. Foi Cristo Jesus quem deu aos apóstolos e aos sucessores deles o mandato e o poder de ensinar todas as gentes, de santificar as pessoas na verdade e as apascentar. Desta forma os bispos foram constituídos pelo Espírito Santo que lhes foi dado, verdadeiros Mestres, Pontífices e Pastores[2]. É muito importante perceber a doutrina sobre o episcopado na visão dos padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos.

A unidade da Igreja e com o bispo.

Santo Inácio de Antioquia, bispo do século I colocou alguns fundamentos do episcopado. Ele realçou a unidade da Igreja sendo compreendida como comunhão com os sucessores dos apóstolos, os bispos estabelecidos na comunidade: “Convém caminhar de acordo com o pensamento de vosso bispo”[3]. Nele deve-se contrair familiaridade, que não é só um dado humano, mas espiritual, e sentir a alegria por sua presença. Essa unidade constitui-se por tal intensificação, da mesma forma como a “Igreja está unida em Jesus Cristo e Jesus Cristo com o Pai”[4]. Na unidade com o bispo local, a pessoa está unida ao Pai, do bispo de todos, Jesus Cristo[5].

O zelo para com o bispo.

O zelo para com o bispo local significa o respeito e a concórdia para com ele. Santo Inácio seguiu a palavra evangélica de Jesus: a todo aquele que o dono da casa envia para administrá-la é preciso acolhê-lo como aquele que o enviou( Mt 10,40). Por isso, o bispo seja visto como o próprio Senhor[6]. “Os presbíteros reconfortem o bispo, para honra do Pai em Jesus Cristo e dos apóstolos”[7]. Ele também solicitava aos Tralianos, para que estivessem unidos ao bispo, como a Jesus Cristo, aos presbíteros como à assembléia dos apóstolos e aos diáconos por serem servidores da Igreja. Sem eles, não se fala de Igreja[8]. Com esse autor, houve os primeiros testemunhos da hierarquia no tríplice grau: bispos, presbíteros e diáconos[9]. Ele pediu aos cristãos que se mostrassem firmes nos ensinamentos do Senhor e dos apóstolos agora visíveis no bispo. Por isso, era preciso estar submisso a ele, assim como Jesus Cristo se submeteu na carne, e os apóstolos obedeceram a Cristo, Cristo ao Pai e ao Espírito Santo, em vista da unidade, não só corporal, mas espiritual[10].

União com Deus.

O Bispo de Antioquia também disse que essa unidade com o bispo é algo de profunda união que tem sentido em Deus, porque toda pessoa não faça nada sem ele. Assim é preciso amar a união, fugir das divisões, ser imitadores de Jesus Cristo como Ele o é do Pai[11]. Ele ligava a unidade do bispo, o estar longe das heresias, no caso os docetas, aqueles que negavam a humanidade do Verbo. Na unidade com ele, os fiéis estão em comunhão com Jesus Cristo de Deus e os preceitos dos apóstolos[12].

O episcopado tem a sua origem no Senhor Jesus e nos apóstolos.

Tertuliano, padre da Igreja no Norte Africano, séculos II e III afirmou a origem apostólica do episcopado em ligação com o Senhor. As heresias com os seus fundadores diziam que estas estavam desde a origem apostólica. No entanto, o Padre africano afirmou que desde o primeiro bispo da comunidade, a Igreja teve como predecessor um dos apóstolos em unidade com Jesus Cristo. Foi desta forma, segundo Tertuliano que os bispos se tornaram sucessores dos apóstolos, nas quais as Igrejas apostólicas provaram as suas origens, de modo que a Igreja de Esmirna referiu-se que foi São João a conferir a missão episcopal a Policarpo; a Igreja de Roma na qual São Clemente recebeu o mandato de bispo por São Pedro. O Padre africano também disse que outras Igrejas eram de transmissão pela semente apostólica, enquanto constituídas no episcopado dos apóstolos[13].

A Consagração episcopal.

          Santo Hipólito de Roma, sacerdote, nos séculos II e III colocou a forma como se dava a consagração episcopal, de modo que chegou até a atualidade as nomeações. Ele afirmou que era para ser constituído bispo a pessoa escolhida por todo o povo. Na época havia a aclamação do povo na eleição do bispo. Ele também dizia que quando fosse eleito e por todos aprovado, o povo se recolhia no domingo juntamente com os presbíteros e os bispos presentes, Tendo a aprovação por todos, os bispos impunham as mãos sobre o eleito e os presbíteros permaneciam em pé rezando pelo candidato, Toda a assembléia em silêncio suplicava a descida do Espírito Santo e o bispo que presidia impunha as mãos e em seguida os outros bispos também realizavam a imposição das mãos a aquele que era ordenado bispo[14].

            O Pastor constituído, misericordioso, operador de paz.

As Constituições dos Santos Apóstolos, obra do século IV, afirmou que o bispo, no seguimento a Jesus Cristo, é constituído como líder na missão para governar a Igreja, uma circunscrição, não sendo inferior aos cinqüenta anos, ciente da palavra de Deus e dos sacramentos[15]. Ele também seja misericordioso, como de fato o Senhor disse que são bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7), ele seja construtor da paz porque o Senhor disse que são bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9) e tenha um comportamento livre de todo o vício, porque também o Senhor disse que são bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus (Mt 5, 8)[16] 

Amor aos pobres, bom educador, humilde, atenção para todos.

Aquele que for escolhido bispo tenha profundo amor aos pobres. As Constituições Apostólicas tinham presente que a pessoa desse atenção aos pobres, às viúvas, aos órfãos e aos estrangeiros (Sl 146,9), classes desprezadas na sociedade, mas fundamentais para a vida do bispo e da Igreja[17]. A obra também afirmava a importância do bispo, ser uma pessoa tolerante, bom educador exercitado e preparado nos livros do Senhor, assíduo nas leituras, para assim poder de uma forma correta interpretar as Escrituras, expondo o evangelho em ordem com os profetas e a lei e igualmente ordenando ao evangelho as interpretações da lei e dos profetas[18]. O documento também dizia que o bispo desse atenção para todas as pessoas, aos pecadores e as pecadoras e a todo o povo de Deus, sobretudo aos mais necessitados[19].

Bispo e Cristão.

            Santo Agostinho, bispo de Hipona, nos séculos IV e V disse em uma de suas homilias ao povo: “Para vós sou bispo: convosco, sou cristão. Aquele é nome do oficio recebido; este, da graça; aquele do perigo; este da salvação”[20]. O bispo também afirmou que a missão que lhe foi dada, havia nele a preocupação de exercê-la com dignidade. A missão de Bispo leve à pessoa que a exerça e ao povo à salvação com Jesus Cristo, de modo que ele se sentia pequeno, mas também forte para o povo por causa da graça de Deus atuante nele e o consolo era dado pela realidade de ser cristão, pelo batismo com o povo do Senhor [21].

            O episcopado é a graça de Deus que atua na pessoa para ser bom Mestre, Sacerdote e Pastor. O Espírito Santo ilumina a pessoa para que viva o amor de Jesus Cristo nas pessoas, sobretudo nas pessoas mais necessitadas, em unidade com o Pai, Deus Uno e Trino.

[1] Cfr. Episcopato. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Monotipia Olivieri-Milano, Legoprint – Lavis- Trento, 1998, pg. 534.

[2] Cfr. Christus Dominus, 2. In: Documentos do Concílio Ecumênicos Vaticano II. Paulus, São Paulo, 2001, pg, 242.

[3] Cfr. Inácio aos Efésios, 4,1. Padres Apostólicos. Paulus, São Paulo, 1995, pg. 83

[4] Cfr. Inácio aos Efésios, 5,1. Ibidem.

[5] Cfr. Inácio aos Magnésios, 3,1. Ibidem, pg. 92.

[6] Cfr. Inácio aos Efésios, 6,1. Ibidem, pgs. 84-85.

[7] Cfr. Inácio aos Tralianos, 12,2. Ibidem, pg. 101.

[8] Cfr. Ibidem, 3,1. Ibidem, pg. 98.

[9] Cfr. P. Nautin, Inácio de Antioquia. In: Dicionário Patrístico e de Antigüidades Cristãs, Vozes, Paulus, Petrópolis, RJ, 2002, ps. 442-443.

[10] Cfr. Inácio aos Magnésios, 13,2. Ibidem, pg. 95.

[11] Cfr. Inácio aos Filadelfienses, 7,2. Ibidem, pg. 112.

[12] Cfr. Inácio aos Tralianos, 7,1. Ibidem, pg. 99.

[13] Cfr. Tertulliano. La prescrizione contro gli eretici32, 1-3 (Refoulé 130-131). In: I ministeri nella Chiesa antica, a cura di Enrico Cattaneo. Paoline, Milano, 1997, pgs. 479-480. 

[14] Cfr. Ordinamento ecclesiastico di Ippolito, 31,1-2. In: La teologia dei Padri, 4. Cittá Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 92.

[15] Cfr. Costituzioni dei Santi Apostoli per mano di Clemente, II, 1, 1-2. Urbaniana, University Press, Città del Vaticano, 2001, pg. 11.

[16] Cfr. Idem, II, 1, 6-8, pg. 12.

[17] Cfr. Idem, II, 4, 1, pg. 13.

[18] Cfr. Idem, II, 5,4, pg. 14.

[19] Cfr. Idem, II,18,1, pg. 26.

[20] Cfr. Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo. (Sermo 340,1: PL 38, 1483-1484). Liturgia das Horas, IV. Editora Vozes, Paulinas, Paulus, Editora Ave-Maria, Santuário, Aparecida-SP, 1999, pg.1293.

[21] Cfr. Ibidem.

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