Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
Introdução.
Os Padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos, receberam uma educação
dentro do sistema educacional grego romano que visava tornar as pessoas cidadãs,
membros da vida civil e comunitária. Pela educação eles eram percebidos pessoas
livres, capazes de coordenar serviços na sociedade. Essa era uma educação básica,
popular que possibilitava o conhecimento das ciências na época. A filosofia delineava
valores comunitários e sociais. Eles freqüentavam as escolas normais que o Império
romano oferecia a todos os povos dominados. Para os Padres da Igreja, a educação
recebida também visava o conhecimento de Jesus Cristo, da Igreja, a prática da Palavra
de Deus e o engajamento comunitário.
A existência das Academias.
As Universidades não existiam na época, mas, sim, as Academias em alguns
lugares do Império romano como Atenas, Constantinopla, Alexandria, Antioquia, entre
outras cidades, de modo que uma educação bem fundamentada era lhes dada, pois se
tratava de um ensino superior, do ponto de vista atual. Os padres foram educados nesse
sistema educacional, na retórica, último degrau no estudo, que os impulsionava a não só
a bem falar ao público e a ter o domínio no saber, através dos argumentos, mas essa
servia para esclarecimento das coisas, na liturgia, na interpretação da Sagrada Escritura
para o povo diante das heresias e na necessidade de dar respostas por parte da Igreja
diante dos debates teológicos, cristológicos e pneumatológicos. O estudo favoreceu a
elaboração de uma idéia e de uma educação para a vida e para o amor. Para os padres da
Igreja a retórica visava à verdade das coisas e não simplesmente os discursos nos
tribunais, palcos ou nos púlpitos das Igrejas 1 . Se os Padres freqüentavam escolas dos
pagãos, com o tempo eles encaminharam a partir da educação, a constituição de escolas
próprias em vista da formação sacerdotal, escolas bíblicas e cristológicas nas suas
comunidades. No momento em que existe a preocupação, ação da Igreja, dos governos
em relação à educação é importante dar uma visão de como os padres dos primeiros
séculos encararam a educação e da forma como a viveram em seu tempo na relação
comunitária.
Os cristãos.
Os seguidores de Jesus, os cristãos freqüentavam as escolas dos pagãos como
quaisquer outros alunos. No século II, a Carta a Diogneto afirmou que os cristãos não se
distinguiam de outras pessoas nem por terra, ou costumes. Não possuíam uma língua
estranha ou algum modo especial de vida, mas vivendo em cidades gregas e bárbaras
adaptavam-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e testemunhavam um
modo de vida social que era admirável para todos e paradoxal 2 .
No mundo grego romano existiam três formas de escolas, na qual os pagãos e os
cristãos participavam das mesmas: primeiro, os alunos freqüentavam o “Ludus
Literarius”, isto é, o primário, onde os meninos e as meninas entre os sete e os doze
anos aprendiam a ler, a escrever e a fazer as primeiras operações de cálculo. Depois
vinha a “Gramática”, onde os adolescentes aprendiam as obras e o estilo dos escritores
mais famosos, sejam eles gregos, sejam latinos e por fim vinha a “Escola da Retórica”
onde os jovens e adultos conseguiam a suma do saber 3 .
1 Cfr. A. Quacquarelli. Retorica. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Genova-
Milano: Marietti, 2008, pg. 4501
2 Cfr. Carta a Diogneto, 5,1-4. In: Padres Apologistas. São Paulo: Paulus, 1995.
3 Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, pg. 4816.
O aprendizado da filosofia.
Nestas escolas, os alunos aprendiam também a filosofia. Alguns autores dos
primeiros séculos davam valor à filosofia helênica na sua escola como Justino de Roma
e Clemente de Alexandria. Orígenes fez uma leitura da filosofia em chave cristã. Já
Tertuliano não via com simpatia a influência da filosofia no cristianismo ainda que ele
dependesse de sua teologia da filosofia sobretudo, a estóica 4 . No século IV haverá uma
abertura sempre maior à filosofia clássica de uma forma particular, com os padres
capadócios. Basílio recomendará a leitura dos autores gregos e latinos com o intuito que
eles aprofundassem ainda mais o estudo da Sagrada Escritura. “Quando se apresentam
fatos ou palavras de homens excelentes, segui-os com espírito de emulação e fazer o
possível para imitá-los” 5 .
A juventude cristã.
A juventude cristã tinha freqüentemente mestres pagãos cujo ensinamento era
ligado à mitologia, à racionalidade, às tradições pagãs. Havia casos de mestres cristãos
apreçados pelos pagãos e de mestres pagãos que se gloriavam de alunos cristãos. Por
exemplo o reitor pagão Libânio tinha relações com Basílio e João Crisóstomo. Proerésio
foi mestre de Gregório de Nazianzo e do pagão Eunápio. Mário Vitorino, sendo mestre
pagão, se converteu ao cristianismo, ao professar a sua fé em uma forma pública 6 .
Autores cristãos, fundadores de escolas.
Justino mártir, Ireneu de Lião, Tertuliano foram fundadores de escolas teológicas
não ligadas exclusivamente às Sagradas Escrituras. Justino falou que o nome de cristãos
possibilitava a perseguição. “Não castigais ninguém que foi acusado diante dos vossos
tribunais antes que ele seja réu convicto. Contudo, quando se trata de nós, tomais o
nome como prova, sendo que, se for pelo nome, deveríeis antes castigar os nossos
acusadores” 7 . O bispo de Lião fundou um centro cultural pela defesa da apostolicidade
da Igreja na unidade da sucessão dos apóstolos e a presença do bispo como aquele que
garantia a transmissão da verdade revelada. Com Tertuliano falava-se da verdade como
o aspecto fundamental na transmissão do cristianismo. Em Alexandria Orígenes
imprimiu ensinamentos religiosos relacionados ao mundo transcendente como Deus,
mistério trinitário, anjos, almas, em relação ao mundo histórico, criação, encarnação do
Verbo, ressurreição e castigo, o mundo humano, o livre arbítrio, a sabedoria, o dom
humano de ser imagem de Deus 8 .
A visão da educação a partir dos Padres da Igreja.
Clemente Alexandrino dizia que a sabedoria divina é grande por tomar conta de
seus filhos em diversos modos no cuidado da nossa salvação. O pedagogo, no caso
Cristo, testemunha em favor daqueles que cumprem o bem e chama-os nessa prática (do
bem), admoestando-os para não se inclinarem aos pecados mas para que possam ter uma
vida melhor 9 . Clemente chamou o Verbo encarnado de Pedagogo da humanidade que se
serviu das mais diversas manifestações de sua mesma sabedoria para salvar os mais
infortunados na vida. Ele também disse que somos alunos necessitados das palavras do
Mestre para que dê ânimo aos outros. Assim como os bons não necessitam de médico,
mas os doentes (cf. Mc 2,17), assim também nós necessitamos do Salvador. Nós somos
doentes nesta vida por desejos não bons provenientes de nossas intemperanças e de
4 Cfr. Idem, pgs. 4816-4817.
5 Basilio I Cesarea. Discorso ai Giovani, IV,2, a cura di M. Naldini.. Firenze: Nardini Editore, 1990.
6 Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane., pg. 4817. Ver também:
Santo Agostinho. Confissões, VIII, 2,5. São Paulo: Paulus, 1997.
7 Cfr. Justino de Roma. I Apologia, 4,4-5. São Paulo: Paulus, 1995.
8 Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane., pg. 4819.
9 Clemente Alessandrino. Il Pedagogo, I, 74. In: La Teologia dei padri. Roma: Città Nuova Editrice,
1974, pg. 100.
todas as outras inflamações de nossas paixões. O Pedagogo nos admoesta com remédios
doces e também com remédios amargos. Temos a necessidade do Salvador para que nos
guie para superação da cegueira apontando-nos à luz, nós que estamos com sede para a
fonte da água viva porque aqueles que beberão da mesma nunca mais terão sede(cf Jo
4,14) 10 .
Jesus, o Educador da Humanidade.
Clemente Alexandrino reconheceu que sem Jesus, o Educador da humanidade
não haveria vida, mas a morte. Como as crianças e os adolescentes precisam de seus
educadores, nós temos a necessidade do Mestre, Jesus Cristo para assim não ser
privados de uma educação que leve à separação dos grãos com o celeiro que serão
recolhidos no Pai 11 . Assim é o nosso Pedagogo: bom e justo. Ele não veio para ser
servido, mas para servir a todos(cf. Mt 20,28) e por isso o evangelho mostra-o dando a
sua vida por nós. Ele oferece o que há de mais precioso, a sua alma, a sua vida para toda
a humanidade(cf. Jo 15,13) 12 .
A educação como ensino em família.
A educação entendida como ensino deve começar em família. São João
Crisóstomo, Bispo e Padre da Igreja nos séculos IV e V teve presentes alguns pontos no
sentido que os pais eduquem os seus filhos e filhas com solicitude, admoestando-os no
Senhor. A juventude tem necessidade que as pessoas a corrija, a acompanhe, a nutre.
Uma consideração é levada em conta: a conservação da castidade. Neste campo a
juventude sofre os danos maiores; e para superá-los nisso, há a necessidade de muita
atenção e muita luta. Um grande penhor foi dado aos pais, os seus filhos e as filhas.
Faça-se o possível para encaminhá-los no bem para que o maligno não os carregue
consigo. A preocupação em formar o ânimo dos filhos e das filhas esteja na vida dos
pais. Deve-se ter presente a formação das virtudes 13 . Os filhos e as filhas sejam
educados e admoestados no Senhor(cf. Ef 6,4). Se os seres humanos são valorizados por
esculpir as estátuas dos reis, gozando de muita honra, “Nós que tornamos mais bela
imagem real, o homem de fato é imagem de Deus (cf. Gn 1,26) não gozaremos dos bens
imensos, admitido que a nossa obra torne a verdadeira semelhança”? 14 . São João
Crisóstomo dizia que a verdadeira semelhança é a virtude da alma, porque acontece a
educação dos filhos e das filhas para serem bons, para que dominem a ira, as ofensas,
qualidades divinas que nós as educamos para serem generosos, amantes das pessoas
humanas e do Senhor Deus 15 .
A educação é dada na comunidade.
A educação também devia ser feita pela comunidade eclesial. São Gregório de
Nazianzo, bispo de Constantinopla, século IV falava da boa educação, o seu significado
e noção. Todos os seres humanos dotados de inteligência concordam que a educação é o
primeiro dos nossos bens e a educação mais excelente não deveria levar em conta só os
discursos inteligíveis, sendo dada na comunidade, em vista do dom da salvação. Em
relação as ciências pagãs, São Gregório dizia que o cristão aceita a contemplação e a
investigação da natureza. Rejeita-se toda ciência que leve aos demônios, ao erro, à
perdição. A educação não seria desprezada, do contrário, considerar-se-iam estultos e
10 Cfr. Idem, pg. 100.
11 Cfr. Ibidem, pg. 101.
12 Cfr. Ibidem, pg. 101.
13 Cfr.Giovanni Crisostomo. Omelie sulla prima lettera a Timoteo, 9,2. In: La Teologia dei padri, 3.
Roma: Città Nuova Editrice, 1974, pgs. 381-382.
14 Idem, 21,4. pg. 385.
15 Cfr. Ibidem, pg. 386.