Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
O ano litúrgico encerrou com a festa do Cristo Rei do Universo, sendo Ele também o nosso Rei. Jesus foi o Rei dos reis, porque ele deu a sua vida pela salvação de toda a humanidade, e pela sua ressurreição ele nos levou até a eternidade. O seu reinado teve como trono, a cruz, como prova máxima do amor de Deus para a humanidade. Vivenciamos esta festa importante na vida da Igreja, de nosso seguimento a Jesus Cristo, de discípulos, discípulas, missionários, missionárias no mundo de hoje. Vejamos a seguir como os primeiros escritores cristãos viram esta festa.
São Cirilo de Alexandria, bispo, do século V, seguindo o apóstolo e evangelista São João (Jo 18,37), disse que o Senhor não negou de ser rei quando Pilatos lhe perguntou se fosse rei. A sua forma de ser rei deu-se pelo serviço, pelo amor a Deus, aos outros de uma forma infinita, total. Ele é de fato rei enquanto Deus porque ele veio de Deus para dar testemunho da verdade, de modo que depois de ter tirado a mentira do mundo e a tirania do espírito satânico[1], que reinavam sobre todas as coisas, fez com que reinassem a verdade e o amor nas criaturas e no universo.
Orígenes, padre da Igreja dos séculos II e III, de Alexandria, teve presentes as palavras de Jesus que disse que o Reino de Deus não se diz ei-lo aqui ou ei-lo ali, mas ele está no meio das pessoas, através do Senhor (Lc 16,21). Quando o fiel pede para que venha o Reino de Deus, está ciente que deve dar frutos bons e chegue à perfeição. Deus habita nas pessoas santas e estas por sua vez obedecem as leis do Senhor. O Reino de Deus é Deus reinar na vida das pessoas, e ele não subsiste no reino do pecado. O último inimigo a ser destruído pelo Senhor será a morte (1 Cor 15,26), de modo que Deus reine e as pessoas justas vivam dos bens do novo nascimento e da ressurreição[2].
No último domingo do ano litúrgico, comemorou-se também na Igreja, o dia nacional dos leigos e das leigas, pessoas batizadas que vivem os seus compromissos na família, na comunidade e na sociedade. Eles e Elas estão presentes nas pastorais, nos movimentos, nos serviços e também no mundo, vivendo o amor do Senhor, neste tempo de muitas esperanças por um mundo mais humano e mais fraterno. O Concílio Vaticano II afirmou a vocação universal à santidade, para todo o povo de Deus, que advém de Cristo, fonte de toda santidade. É importante ver como esta missão foi vivida na Igreja antiga, pelos primeiros escritores cristãos, a importância dos leigos e das leigas que atuaram em suas comunidades pela vivencia da fé, da esperança e da caridade.
A definição do laicato.
O termo leigo vem do grego laikus, cujo significado é povo[3]. É aquele que recebe o batismo, segue a Cristo e não pertence ao ministério ordenado[4]. A realidade dos leigos e das leigas já estava presente no Novo Testamento constituindo um dinamismo de participação e de comunhão. Cristo se faz próximo das pessoas, de modo que todos são um povo de sacerdotes, de profetas e de reis(cfr. Ap 1,6). Pelo batismo os leigos e as leigas participam do sacerdócio, da profecia e do pastoreio de Cristo Jesus na qual assumem uma missão na família, na comunidade e na sociedade(cfr. Mt 28,19-20).
A unidade entre fieis e o clero.
São Clemente Romano, bispo de Roma, no final do século I afirmou a necessidade da unidade entre o clero e os fiéis na comunidade de Coríntios. O fato ocorrido de uma forma inconveniente foi uma revolta da comunidade em relação aos seus pastores, bispos, presbíteros e diáconos, de modo que o Papa Clemente pediu a unidade para que em tudo se fizesse a vontade Deus. Ele levantava a questão da superação das brigas, dos ódios, das disputas, das divisões e das guerras entre eles. Existe um só Deus, um só Cristo e um só Espírito de graça e uma só vocação em Cristo[5]. Como os apóstolos vem de Cristo e Cristo vem de Deus, São Clemente exortava a unidade entre os pastores e o povo de Deus porque isto manifestava o amor e a vontade Deus[6].
Leigos e Leigas: Pessoas servidoras.
São Justino, Padre da Igreja de Roma, do II século tinha presentes os leigos e as leigas que serviam a Igreja de Cristo e estavam no mundo testemunhando o amor do Senhor. Ele também falava do processo do catecumenato, dos sacramentos da iniciação à vida cristã, na qual exortava aos leigos e às leigas dizendo que após conduzir as pessoas a um lugar onde havia água e com o mesmo banho em que ele tinha sido regenerado, eles também seriam regenerados ao tomar na água o banho em nome de Deus, o Pai soberano do universo, e do Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo[7].
Segundo São Justino, os cristãos, leigos e leigas, eram também os melhores ajudantes e aliados para a manutenção da paz no Império Romano, pois professavam doutrinas conforme o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo, e almejavam a superação da condenação pela salvação eterna, conforme o mérito de suas ações[8].
Pessoas que não faziam distinções no mundo pagão.
A Carta a Diogneto, escrito do século II, colocou a comunhão de vida dos leigos e das leigas com todas as outras pessoas no mundo. Eles não faziam distinções das outras pessoas, nem por sua terra, nem por língua ou por costumes. Os cristãos leigos e leigas viviam em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptavam-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e testemunhavam um modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal. Viviam na sua pátria, mas como forasteiros; participavam de tudo como cristãos e suportavam tudo como estrangeiros. Toda pátria que não era deles era pátria deles e cada pátria era estrangeira[9].
O depoimento dos pagãos aos cristãos: vede como eles se amam.
A descrição dos leigos e das leigas em Tertuliano, padre do Norte da África, séculos II e III afirmou-se num aspecto de amor verdadeiro às pessoas e a Deus. O afeto fraterno na qual os tornavam solícitos um com o outro, chamava a atenção dos pagãos para a exultação na qual diziam: “Observa”, dizem eles, “como eles se amam uns aos outros”[10]. Tertuliano colocou claramente o testemunho de vida dos cristãos que possibilitavam aos outros realizarem comentários bonitos porque a comunidade se queria bem e realizava obras de caridade.
O tempo das perseguições.
Eusébio de Cesaréia, bispo, século IV, afirmou na sua História Eclesiástica que na perseguição de Diocleciano no final dos séculos III e início do século IV muitos chefes das Igrejas sofreram martírio, mas também muitos leigos e leigas que deram as suas vidas pelo Senhor Jesus Cristo. Nesses combates brilharam em toda a terra os magníficos mártires de Cristo na qual testemunharam a sua coragem e amor pelo Senhor. Eles e Elas apresentaram provas evidentes do poder verdadeiramente divino e inefável de nosso Salvador. As suas menções seriam longas, para não dizer impossível, de modo que todos deram um testemunho de vida admirável em Cristo Jesus[11].
A valorização das virtudes nos leigos e nas leigas.
As Constituições Apostólicas, escrito do século IV colocou a valorização das virtudes para os leigos e para as leigas, que eram postas a serviço da comunidade cristã. As pessoas que receberam carismas tinham o uso discreto para assim não se considerarem superiores aquelas nas quais não os receberam. Eram diversos os carismas que o Senhor Deus concedia às pessoas de modo que um recebia um dom e o outro recebia outro dom, e, Deus era glorificado pelos dons dados. Toda a missão dependia de Deus porque ele era quem concedia os carismas[12].
A festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo ajude-nos a compreender a importância do Senhor ser o Rei em nossas vidas, famílias, comunidades e sociedade. Ele é o Rei da justiça, da paz e do amor. Nós percebemos a importância dos leigos e das leigas em nossas comunidades, paróquias e dioceses, de modo que a sua atuação merece o respeito e a dignidade. Eles e Elas estão também presentes na política, na economia, nas relações internacionais, no mundo, anunciando o Evangelho do Senhor Jesus Cristo. Nós pedimos a benção sobre todos eles e elas, para que continuem firmes na caminhada de fé, de esperança e de caridade, testemunhando o mandamento da lei de Deus, no amor a Deus, ao próximo como a si mesmo.
[1] Cfr. Cirillo di Alessandria. Commento al Vangelo di Giiovanni/3, XII, Traduzione, note e indici di Luigi Leone. Roma, 1994, pg. 416.
[2] Cfr. https://Ofício das Leituras da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo – Liturgia das Horas Online
[3] Cfr. P. Siniscalco. Laico. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angealo Di Berardino, F-O. Marietti, Genova, 2007, pg. 2725.
[4] Cfr. Laico. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 824.
[5] Cfr. Clemente aos Romanos, 46, 5-6. In: Padres Apostólicos. São Paulo, Paulus, 1995, pg. 56.
[6] Cfr. Idem, 42, 1-2. In: Idem, pg. 53.
[7] Cfr. I Apologia 61,3. In: Justino de Roma, São Paulo, Paulus, 1995, pg. 76.
[8] Cfr. Idem, 12,1, pg. 27.
[9] Cfr. Carta a Diogneto, 5, 1-6. In: Idem, pgs. 22-23.
[10] Cfr. Tertuliano. Apologético, XXXIX, 7, São Paulo, Paulus, 2021, pg. 151.
[11] Cfr. Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica, VIII, 3,1; 12;11. São Paulo, Paulus, 2000, pgs. 401; 419.
[12] Cfr. Costituzioni Apostoliche, 8,1,3-21. In: La teologia dei padri, v. 1. Roma, Città Nuova Editrice, 1981, pgs. 297-298.