Marabá, 22 de novembro de 2024

A graça de Deus age pelo bem do ser humano

18 de agosto de 2021   .   

Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

A graça de Deus é dada pelo bem de todas as pessoas, em vista da salvação, como dom e responsabilidade humana. É sempre Deus quem dá a graça, colaborando para que a vida se concretize na paz e no amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. A graça ajuda às pessoas para serem melhores, a agir pela justiça, na luta por políticas públicas, à caridade. Os termos referentes à graça, seja em grego cháris seja em latim gratia, especificam a qualidade de tudo aquilo que por beleza, delicadeza, finura, agradavelmente impressionam os sentidos e o espírito. A graça possui o significado de bondade, cortesia nas relações com os outros e com Deus[1]. A seguir, nós veremos a importância da graça na visão dos padres da igreja, os primeiros escritores cristãos, para que sempre se realize a vontade de Deus em vista do bem humano.

            A ação da graça é ilimitada.

            O Sínodo de Cartago, século V, enviou uma carta ao Papa Zósimo, século V, na afirmação que toda pessoa deveria afastar-se da comunhão eclesial quem dissesse que a graça de Deus, da qual somos justificados por Jesus Cristo Nosso Senhor, opera apenas à remissão dos pecados, já cometidos, mas ela não ajuda a evitar os pecados futuros. Contrariamente, o Sínodo afirmou que a graça de Deus ajuda ao ser humano não só a não cometer o pecado, fazendo-nos conhecer o que devemos querer e o que devemos evitar, mas ela não nos concede cumprir de bom gosto o bem conhecido, nem a capacidade de realizá-lo. Neste sentido a palavra de Jesus é clara quando diz que sem ele nada se pode fazer (cfr. Jo 15,5), de modo que não disse, sem o Senhor, as pessoas poderiam fazer com mais esforço[2]. Desta forma o Sínodo afirmou a importância da graça de Deus para evitar o pecado.

            Os efeitos da graça sobre as pessoas.

            Pseudo Macário, monge do Egito do século IV afirmou que a graça de Deus dada, não faz diferente a pessoa humana de outra pessoa, porém, a diferenciação coloca-se no coração transformado. Pode ocorrer que uma pessoa de mau caráter, uma vez regenerada espiritualmente, vindo ao conhecimento dos mistérios divinos, conserve ainda a própria índole, mas ela é chamada, pela graça, à transformação. Já uma outra pessoa que tenha um caráter difícil, se ela voltar-se à sua vontade para o culto divino, ela será acolhida junto a Deus. O Senhor Deus, para manifestar abertamente a sua mais intima natureza, acolhe qualquer um que se volta para ele, qualquer ser humano que recebeu o impulso a partir do qual foi empurrado[3].

            A graça é dada para socorrer a vontade.

            São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla nos séculos IV e V, disse que é possível obedecer aos mandamentos de Deus, se nós também tivermos a vontade de superar os obstáculos da natureza, para que a graça de Deus aja em nós, porque caso contrário a graça não entra em natureza rebelde. Se nós demonstrarmos com toda a força que Deus reina em nós, ele nos concederá a sua ajuda preciosa, de poder caminhar seguros em meio aos perigos e dificuldades que são próprios da realidade humana. A virtude será dada de uma forma grandiosa, obtendo a vitória daquilo que a pessoa estava enfrentando pelo medo, ou terá coragem para superar o sofrimento com maior força pela graça que age na pessoa[4].

            A profecia é graça de Deus.

            São João Crisóstomo insistia que o seguidor do Senhor deveria conformar-se sempre mais com o Cristo. Maior daquele que profetiza é aquele que fala como o Cristo. A profecia é pura graça, enquanto falar como o Cristo requer também o esforço, a sua fadiga. Ensina à sua alma a conformar a sua boca a boca de Cristo[5].

            A graça de Deus em vista do cumprimento dos mandamentos.

            São Fulgêncio de Ruspe, bispo da Tunísia, norte africano, do século V, colocou que a graça de Deus é dada em vista do cumprimento dos mandamentos da lei de Deus. Nenhuma pessoa pode fazer na terra penitência se não é iluminada por Deus e convertida pela sua misericórdia gratuita. É como diz o apóstolo São Paulo: “De modo que nem o que planta e aquele que rega são alguma coisa, mas aquele que faz crescer: Deus” (1 Cor 3,7). Deus trabalha em nós também o querer e o cumprir, no seu agrado (cfr. Fl 2,13)[6].

            Origem e modo da graça.

            Clemente de Alexandria, teólogo do século III disse que a pessoa que recebeu de Deus a faculdade de servir ao próximo, ajuda os outros com maneiras boas, seja pela exortação com o próprio exemplo, seja pela advertência com um ensinamento verdadeiro. A pessoa por sua vez, é ajudada no mesmo modo pelo Senhor. Assim os benefícios que provem do Senhor são revelados aos seres humanos, também com a colaboração dos anjos. O poder de Deus de fato se cumpriu, através também dos anjos, seja que estes manifestaram a vinda do Senhor, seja que permaneceram escondidos, fornecendo ânimo na especulação como na conduta prática, na energia e na vitalidade. Todo o beneficio que resulta de alguma utilidade para a vida, provem em conformidade a um desígnio supremo de Deus Onipotente, pelo seu Filho em unidade com o Espírito Santo. Através dos ensinamentos daquele que se encontra junto do Pai, o Senhor Jesus, age conforme Deus, os seus efeitos são dados no mais íntimo de cada um de nós[7].

            A graça divina.

            Santo Agostinho, bispo de Hipona, nos séculos IV e V, elaborou muitos tratados sobre a graça, contra Pelágio que a negava, pois este não levava em consideração a graça de Deus, de Cristo para a nossa salvação. O bispo de Hipona, ao interpretar a palavra de São Paulo que era na fraqueza que a força de Deus estaria nele e chegava só a sua graça (cfr. 2 Cor 12,10), dizia que a força se aperfeiçoa na fraqueza humana, de modo que, quem, não se considera fraco, não se aperfeiçoa. A graça é dada na fraqueza, na qual vai se aperfeiçoando pelas coisas fracas na pessoa. Ela conduz os predestinados e os chamados segundo os desígnios de Deus à suma perfeição e à glorificação. A graça não somente leva a pessoa a conhecer o que se deve fazer, mas também a praticar o que se conhece; não somente a acreditar no que se deve amar, mas também amar de fato aquilo que se acredita. Desta forma Deus ensina aos chamados conforme os seus desígnios, concedendo-lhes ao mesmo tempo o conhecimento do que devem fazer e a realização do que sabem para praticar a caridade e o amor[8].

            O efeito da graça na vida terrena.

            A graça atua na pessoa para torná-la melhor, ainda segundo Santo Agostinho. Deus dá às criaturas tantos bens, seja aos bons que aos maus, a vida, o uso dos sentidos, a saúde, a força, a abundância de bens. Ele doará a si mesmo aos bons para torná-los bem-aventurados. Tudo isso é dom de Deus para que as pessoas sejam boas, caritativas. Nesta vida, a sabedoria humana consiste no verdadeiro culto de Deus e no século futuro, o seu fruto e a sua integridade. Se aqui a pessoa luta pela piedade firme e perseverante, lá em cima, estará presente a graça da felicidade eterna[9].

            A graça de Deus é dada para ser humano para que este aja bem em vista da vida eterna. A necessidade da graça é fundamental na vida de todo o seguidor de Jesus Cristo para que este não viva na acomodação, mas na luta pelo bem, estando ao lado dos necessitados. Através da oração, dos sacramentos, da eucaristia, da Palavra de Deus a pessoa viva na graça para uma vida que agrade a Deus neste mundo e um dia obtenha a graça da vida eterna.

[1] Cfr. Grazia. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg.690.

[2] Cfr. Lettera del Sinodo de Cartagine a papa Zossimo, In: La teologia dei padri, v. 2. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pgs. 32-33.

[3] Cfr. Pseudo-Macario. Omelie spirituali, 26,5-6. In: Idem, pg. 36.

[4] Cfr. Giovanni Crisostomo. Panegirico per san Paolo, 6. In: Ibidem, pg. 38.

[5] Cfr. Giovanni Crisostomo. Commento al Vagelo di san Matteo, 78,3-4. In: Idem, v. 1, pg. 256.

[6] Cfr. Fulgenzio di Ruspe. Regola della vera fede, 31-32. In: Idem, pg. 40.

[7] Cfr. Clemente Alessandrino. Stromata, 6,161. In: Ibidem, pgs. 41-42.

[8] Cfr. Santo Agostinho. A graça de Cristo e o pecado original, c. XII, 13-14. Paulus, SP, 1999, pgs. 226-226.

[9] Cfr. Agostino. Le Lettere, II, 155, 2-5 (A Macedonio). In: La teologia dei padri, v. 2, idem, pgs. 36-37.

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