Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
Ultimamente nós percebemos perseguições, ataques contra a Igreja, ao Papa Francisco, à CNBB, à vida eclesial. Diversas foram às manifestações de solidariedade, de apóio à missão da Igreja de Cristo, da qual nós nos unimos a todas na demonstração de nosso amor a Cristo e à Igreja. A importância é dada pelo testemunho profético que a Igreja segue ao Senhor na realidade atual. As falsas notícias devem ser combatidas, pois a nossa missão é a assunção de uma posição conforme o evangelho de Jesus Cristo, caminho, verdade e vida (cfr. Jo 14,6).
As perseguições fazem parte do seguimento a Jesus Cristo. Elas ocorreram no passado e ainda hoje sobre a palavra de Jesus Cristo: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim” (Mt 5, 11). A Sagrada Família sofreu perseguições, porque teve que fugir ao Egito, por causa de Herodes que não aceitou a presença do novo Rei em Israel (cfr. Mt 2, 13-15). É impossível compreender Jesus sem a cruz, porque se alguém quiser segui-lo, deverá renunciar a si mesmo, tomar a cruz de cada dia e segui-lo (cfr. Mt 16,24). As perseguições estiveram presentes na comunidade eclesial dos primeiros séculos. Os padres da Igreja elaboraram uma doutrina diante da situação em que estavam vivendo e eles deram fundamentos às perseguições, ao martírio em unidade com o seguimento a Jesus Cristo e à sua Igreja.
O que é a perseguição?
A perseguição é uma palavra latina: persecutio-onis, cujo significado é: perseguir, sendo a utilização de ações de forças para esmagar uma minoria étnica, social, religiosa, com objetivo de causar danos às pessoas ou a grupos[1]. No sentido cristão, fala-se em perseguições, porque foram diversas no início do cristianismo e também ao longo da história eclesial, pela natureza violenta dirigidas contra a igreja cristã e os seus membros, povo de Deus por parte dos seus adversários[2]. A mensagem de salvação de Jesus Cristo comportou o confronto com as autoridades judaicas, romanas, e a sua crucificação em Jerusalém. Os evangelhos advertiram que a sorte dos discípulos implicaria como o Mestre, sofrimento e perseguições, o seu sangue seria derramado, no seu nome os discípulos e também os cristãos derramariam o seu sangue (cfr. Mc 10,39)[3].
Trigo de Deus.
Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir do século I afirmou na Carta aos Romanos que ele seria trigo de Deus e moído pelos dentes das feras, para que assim se apresentasse como trigo puro de Cristo. Ele compreendia a doação de sua vida como o sentido verdadeiro do discipulado de Jesus Cristo. Ele entendia o sofrimento como uma situação de libertação em Jesus Cristo[4]. Ele desejava alcançar a Jesus Cristo, de modo que tudo passaria em segundo plano, desde que buscasse a unidade em Cristo[5]. O bispo de Antioquia pediu aos romanos, orações por ele, para que ele alcançasse a meta, a entrega de sua vida por amor ao Mestre, Jesus Cristo[6].
O sacrifício de doação pelo martírio.
Clemente de Alexandria, padre dos séculos II e III, afirmou que o verdadeiro gnóstico, a pessoa cristã, era convidada a obedecer facilmente Aquele que lhe pedia o sacrifício do corpo oferecendo-o com alegria, sendo despojada das paixões da carne. Ela seguiria o Senhor que veio a este mundo para se relacionar com os mortais e salvá-los, pois Ele deu um solene testemunho de amor diante de todos. Em relação ao mártir ele seria capaz de combater o perseguidor por amor ao Senhor Deus e não abandonaria nem menos a morte por temor, mas seria capaz de dar a sua vida por causa do Senhor[7].
O louvor ao martírio.
Os confessores romanos escreveram ao bispo São Cipriano de Cartago, após a metade do século III, um hino de louvor aos mártires. Eles foram chamados desta forma, porque chegaram próximos do martírio, mas não o foram. Os confessores romanos disseram que tiveram grande alegria, grande consolação e grande conforto, porque o bispo São Cipriano celebrou com elogios dignos não tanto a morte gloriosa, mas a imortalidade dos mártires. Na Carta que ele escreveu aos confessores de Roma, São Cipriano contemplou o glorioso triunfo dos mártires. Por sua vez, os confessores afirmaram que quase os seguiram, enquanto eles ascendiam ao céu e os estimavam gloriosos entre os anjos e as dominações celestiais. Tudo isso ajudou também aos confessores romanos, alcançar um grau tão excelso de glória[8].
Os mártires dão testemunho em relação à fé na ressurreição.
Santo Agostinho, bispo dos séculos IV e V, afirmou que os milagres ocorridos nos lugares destinados ao culto dos mártires referiam à Ressurreição de Cristo na carne e à sua Ascensão ao céu. Os mesmos mártires foram ‘mártires’ desta fé, isto é, as suas testemunhas; a esta fé testemunharam diante do mundo cruel que venceram não combatendo, mas morrendo, dando as suas vidas por causa de Cristo. Eles o fizeram no nome do Senhor. Por esta fé os mártires sofreram com uma admirável paciência para que manifestasse este grande poder. Cristo ressuscitou dos mortos de modo que a fé dos mártires testemunhou os seus sofrimentos em favor da ressurreição deles em unidade com o Senhor Jesus Cristo[9].
A perseguição ariana no século IV.
São Basílio, bispo de Cesaréia, no século IV enviou uma carta pelo ano 376 aos bispos do Ocidente, sobretudo, Itália e Gália, a respeito da perseguição ariana. O fato era que algumas autoridades imperiais simpatizaram com o arianismo de modo que por um certo período, perseguiram os bispos fiéis ao Concílio de Nicéia que afirmou que Jesus é da mesma substância do Pai, Deus como o Pai é Deus. O arianismo foi condenado no Concilio de Nicéia, em 325, afirmando a divindade do Verbo, junto do Pai. São Basílio conclamou os bispos do Ocidente para se unirem aos bispos fieis à Nicéia, no sentido de dar-lhes apóio, dizendo que esses homens religiosos eram afastados da pátria, eram mandados embora nos desertos[10]. Portanto uma perseguição houve contra os que defendiam a fé de Nicéia para a defesa do arianismo. Uns anos mais tarde com novas autoridades imperiais, simpatizantes do Concílio do Nicéia, a grande maioria desses bispos, voltou para as suas sedes episcopais.
Ontem, como hoje, a igreja sofre perseguições e muitas vezes seus membros são enviados ao exílio e outros são martirizados. Outros ainda recebem criticas, são caluniados. No seguimento a Jesus Cristo, os seus discípulos e as suas discípulas são criticados por causa do bem, do anúncio da paz e do amor em que são chamados. A vivência do Reino de Deus, a palavra libertadora de Jesus possibilitam a cruz. Mas é nesta condição, como o Mestre Jesus passou pela cruz, que chegaremos à gloria da ressurreição, assim como ocorreu ao Senhor. Não tenhamos medo das perseguições, porque elas fazem parte do nosso seguimento a Jesus Cristo e à sua Igreja. A caminhada é iluminada pelo Senhor.
[1] Cfr. Persecuzione. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 1168.
[2] Cfr. W.H.C. Frend. Persecuzioni. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angealo Di Berardino, P-Z. Marietti, Genova, 2008, pg. 4035.
[3] Cfr. Idem, pg. 4035.
[4] Cfr. Inácio aos Romanos, 4, 1-3. In: Padres Apostólicos, Paulus, SP, 1995, pg. 105.
[5] Cfr. Idem, 5,3, pg. 106.
[6] Cfr. Idem, 8,3, pg. 107.
[7] Cfr. Clemente Alessandrino, Stromata, 3,13-14. In: La teologia dei padri, v. 4. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 47.
[8] Cfr. Lettera 31 dei Confessori romani al Vescovo Ciprano di Cartagine, 2-5. In: Idem, pg. 50.
[9] Cfr. Agostino. La Città di Dio, 22,9. In: Idem, pg 67.
[10] Cfr. Basilio, Il Grande. Lettere, 243,1-4. In: Idem, pgs. 65-67.