Marabá, 21 de novembro de 2024

Corpus Christi, a eucaristia: o pão para a vida eterna.

01 de junho de 2021   .   

Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

 

            A solenidade do Corpus Christi é uma manifestação pública da presença de Jesus na eucaristia, que nos é ofertada por Deus Pai, na pessoa do Seu Filho e no manancial de amor do Espírito Santo como alimento para a nossa vida eterna. É uma celebração que nos une à quinta-feira santa, naquela ceia derradeira em que Jesus se entrega em corpo e sangue, passando pela cruz, para a salvação do mundo inteiro.

O Corpus Christi é uma festa celebrada após a Páscoa, Pentecostes e Santíssima Trindade. Vivenciamos a presença de Cristo no pão consagrado para que, assim, fé e vida caminhem juntas para testemunhar ao mundo o seguimento a Jesus Cristo e a Sua Igreja. A eucaristia é uma palavra grega, cujo significado é ação de graças[1], sacramento do pão e vinho consagrados, onde está presente o Senhor Jesus Cristo, que se entrega a todos nós. A eucaristia designa a ceia cristã, a benção consecratória, a própria ação eucarística[2]. A seguir, apresentamos uma visão da doutrina sobre a eucaristia, segundo alguns padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos, fundamentada na Sagrada Escritura.

            A eucaristia na celebração dominical.

            A Didaqué, documento doutrinário dos doze apóstolos, instruiu a tradição posterior como era celebrada a eucaristia na comunidade eclesial. No dia do Senhor, o domingo, as pessoas se reuniam para partir o pão e agradecer a Deus após confessarem os seus pecados. A reconciliação com o próximo estava presente na comunidade para a recepção da eucaristia[3].

            Remédio de imortalidade.

            Santo Inácio, bispo de Antioquia, do século I, afirmava que a eucaristia deveria ser celebrada pelo bispo e em unidade com o presbitério, na qual haveria a partilha do mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver em Jesus Cristo para sempre[4]. Ele pedia aos fiéis para considerar como legítima a eucaristia presidida pelo bispo e, onde ele aparecia, estaria presente Jesus Cristo e a Sua Igreja[5].

            A eucaristia celebrada no domingo.

            São Justino de Roma, padre dos séculos I e II, afirmou que a eucaristia do pão e do vinho consagrados é celebrada pelos cristãos em todo lugar da terra[6]. Os cristãos aprenderam a celebrar a partilha do pão e do vinho como recordação da Paixão em que o Filho de Deus sofreu por eles[7].

            São Justino destacou a importância da eucaristia para os fiéis que eram preparados para os sacramentos da iniciação cristã. A pessoa era conduzida ao lugar em que os fiéis estavam reunidos para elevar orações por si mesmas e por toda a humanidade. Aquele que presidia a reunião oferecia pão e uma vasilha com água e vinho aos irmãos presentes, ao tempo em que louvava e glorificava ao Pai do universo através do nome de Seu Filho e do Espírito Santo, e pronunciava uma longa ação de graças por ter-nos concedido esses dons que Dele provêm. O povo dizia amém, cujo significado é assim seja. As pessoas tomavam as espécies consagradas e os diáconos as levavam aos ausentes[8]. São Justino tinha presente também à teologia da eucaristia, na qual os cristãos não tomavam pão e vinho de uma forma ordinária, mas como carne e sangue de Jesus encarnado, Nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus[9]. Tudo isso era oferecido no dia do sol para os pagãos, mas, para os cristãos, era no domingo, com uma reunião de todos os que moravam nas cidades ou nos campos[10].

            A eucaristia, pão para a vida eterna.

Santo Irineu de Lião, bispo dos séculos II e III, rebatia os gnósticos por não valorizarem a eucaristia como pão para a vida eterna. O bispo chamou de estultos os que rejeitavam toda a economia de Deus, negando a salvação da carne e declarando que esta seria incapaz de receber a incorruptibilidade. Segundo Irineu, se não é possível que a carne seja salva, então o Senhor não teria salvado o gênero humano com Sua carne e Seu sangue, nem o cálice eucarístico é comunhão de Seu sangue e nem o pão que é partido é a comunhão com Seu corpo. O bispo de Lyon afirmou contra os gnósticos que o pão e o vinho consumidos pelos fiéis, recebendo a palavra de Deus, se tornam eucaristia, isto é, o corpo e o sangue de Cristo, de modo que os nossos corpos alimentados pela eucaristia, depois de serem decompostos na terra, ressuscitarão no seu tempo, quando o Verbo de Deus os fará ressuscitar para a glória de Deus Pai, dando-lhe a imortalidade ao que é mortal e a incorruptibilidade ao que é corruptível, pois o poder de Deus se manifesta na fraqueza[11].

            A comunidade ouvia a Sagrada Escritura e tinha a eucaristia.

Tertuliano, padre dos séculos II e III, discorreu que a comunidade se encontrava para juntos lerem e comentarem as Escrituras Sagradas, para que estas fossem motivo de admoestação no presente e no futuro, auxiliando-os a interpretar o passado. Com aquelas santas palavras, eles alimentavam a fé, levando em alto a esperança, aprofundando a confiança e, ao mesmo tempo, tornavam mais sólida a disciplina e a caridade entre eles. Havia uma caixa comum onde as pessoas depositavam as suas ofertas para os pobres e, em seguida, ocorria a refeição, o banquete digno, pois louvavam a Deus. A comunidade não se sentava à mesa antes de ter feito uma oração a Deus[12]. Tudo era feito pela eucaristia, pão para a vida eterna.

            A eucaristia com o seu significado espiritual.

Orígenes, padre dos séculos II e III, enfatizou o significado espiritual da carne e do sangue de Cristo. Ao interpretar a passagem de João 6,54, “quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”, o padre explica que toda a carne do Senhor é alimento, bem como o sangue é bebida. Toda a Sua obra é santa e toda a Sua palavra é verdadeira, de modo que a Sua carne é verdadeiro alimento e o Seu sangue é verdadeira bebida[13]. O ser humano fica saciado com este alimento de vida eterna.

            O alimento eucarístico para o corpo e para o espírito.

            São Gregório de Nissa, bispo do século IV, afirmou a importância do pão consagrado como alimento para o corpo e para o espírito. Muitos são os alimentos na natureza e eles têm as suas finalidades para a vida. O ser humano tem, entre outros alimentos, o pão. Para saciar a sede, existe a água e esta, quando misturada com o vinho, serve para ajudar ou manter o equilíbrio térmico do corpo. Aqueles elementos, uma vez transformados pela graça do Senhor, tornam-se sangue e corpo de Cristo dentro da pessoa humana. Desta forma, o corpo do Senhor vivifica a natureza humana para as pessoas que têm fé, distribuído a todos sem Ele mesmo ser diminuído[14].

            A recepção das espécies consagradas.

            São Cirilo de Jerusalém, bispo no século IV, exaltava diante dos fiéis a importância de receber o Senhor nas espécies do pão e do vinho consagrados. Ele exortava a ter fé nesta presença importante, dizendo que os participantes não eram convidados a receber pão e vinho ordinários, mas sim o corpo e o sangue do Cristo escondidos no símbolo[15].

            A solenidade de Corpus Christi enfatiza a importância do sacramento da eucaristia em nossas vidas. É a presença de Jesus nas espécies do pão e do vinho consagrados, que devem ser amados e adorados. É uma festa especial para todos os cristãos. Somos chamados a viver a eucaristia a fim de que, em nossas vidas, sejamos pessoas acolhedoras na família, na comunidade e na sociedade. Neste tempo de pandemia, sejamos solidários com todos os sofredores desta e de outras doenças, com os povos indígenas, os povos do campo e da cidade, mulheres e homens; e sejamos missionárias e missionários, levando a Boa Nova do Reino de Deus para toda a sociedade. Cristo Jesus, presente na eucaristia, deseja que testemunhemos Sua presença junto ao povo de Deus.

[1] Cfr. Eucaristia. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 558.

[2] Cfr. Eucaristia. In: Dicionário Patrístico e de Antigüidades cristãs. Vozes, Paulus, Petrópolis, RJ, 2002, pg. 527.

[3] Cfr. Didaqué, 14,1-2. In: Os Padres Apostólicos, Paulus, SP, 1995, pg. 357.

[4] Cfr. Inácio aos Efésios, 20, 2. In: Idem, pg. 89.

[5] Cfr. Inácio aos Esmirniotas, 8,1-2. In: Idem, pg. 118.

[6] Cfr. Diálogo com Trifão, 117. In: Justino de Roma, Paulus, SP, 1995, pg. 287.

[7] Cfr. Idem, pg. 288.

[8] Cfr. I Apologia, 65, 1-5. Idem, pgs. 81-82.

[9] Cfr. Idem, 66, 1-2, pg. 82.

[10] Cfr. Idem, 67, 3, pg. 83.

[11] Cfr. Ireneu de Lião, V, 2, 2-3. Paulus, SP. 1995, pgs. 522-523.

[12] Cfr. Tertulliano, Apologia del Cristianesimo, XXXIX, 1- 17. Introduzione e note di Claudio Moreschini, traduzione di Luigi Rusca, Biblioteca Universale Rizzoli, Milano, 1996, pgs. 253-261.

[13] Cfr. Origene, Omelie sul Levitico, 7, 5. In: In: La teologia dei padri, v. 4. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 169.

[14] Cfr. A grande catequese, XXXVII, 7-8. In: Gregório de Nissa. Paulus, SP, 2011, pgs. 376-377.

[15] Cfr. Cirillo di Gerusalemme, Catechesi mistagogica, 5,2-11.19-23. In: In: La teologia dei padri, v. 4, pg. 162-164.

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