Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA
A morte é percebida na vida cristã como passagem para outra vida, com Deus Uno e Trino, com a comunhão dos santos e das santas. A vida eterna será um dia sem fim, na glória celeste. Mas enquanto nós estivermos neste mundo, ela nos faz pensar na vida que levamos, com as suas cruzes, e as suas esperanças para uma vida mais digna, sempre tendo em vista, a vida divina. Na verdade, nós buscamos meios para retardara morte, mas ela chegará algum dia de modo que a vida exige a preparação para o encontro com o Senhor Jesus, para que a morte não nos apanhe de surpresa sem as obras de caridade.
No tempo de pandemia que estamos atravessando, é impossível não pensar na morte, porque ela atingiu muitas pessoas próximas de nós, como pais e mães de família, jovens, adolescentes, crianças, sacerdotes, religiosas, pessoas indígenas, líderes de nossas comunidades, pessoas que estavam ligadas à vida social e política. Todas as pessoas tinham um nome, uma vida pela frente. Muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se houvessem da parte de algumas autoridades, políticas públicas, sociais de amor, sobretudo para com os sofredores e pobres da sociedade. A Igreja tem um cuidado especial para seguir as normas sanitárias em salvar vidas. Nós também reconheçamos a missão de muitas pessoas e autoridades que salvaram vidas. Neste sentido louvamos a Deus Uno e Trino pela solidariedade manifestada por pessoas, igrejas e entidades em favor dos sofredores nestes últimos anos. Como nós concebemos a morte? Como é possível perceber o luto por aqueles que partiram? Veremos a seguir estes dados dando uma visão cristã da morte como passagem.
O dia de finados.
Desde os tempos mais antigos, a Igreja celebra os mortos, as pessoas que partiram deste mundo, chamado do dia de finados. É o dia em que lembramos todos os mortos. É o dia de solidariedade pelas pessoas caras em nosso meio e que elas não estão mais em nossa realidade. Estão junto de Deus. É um dia para visitar os cemitérios, espécie de dormitórios dos mortos, local de sepultamento dos seres humanos que partiram desta vida, rezar pelo descanso eterno das pessoas mortas. Os judeus bem como os cristãos e os pagãos sempre tiveram um cuidado para enterrar os mortos.
A pessoa que partiu é colocada na terra com a esperança da ressurreição futura, prometida pelo Senhor Jesus. Ela voltará ao nada, ao pó. Na quarta feira de cinzas, nós recebemos as cinzas sobre as nossas cabeças de modo que a pessoa que faz a celebração diz para nós: “Lembra-te que és pó, ao pó hás de voltar” (cfr. Gn 3,19). No entanto nós carregamos dentro de nós, uma esperança, que um dia ressurgiremos, por graça do Senhor. “A ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos; é crendo nela que somos tais, e a verdade nos impõe crer na verdade revelada por Deus”[1], dizia Tertuliano, padre da igreja do norte africano dos séculos II e III. Jesus Cristo prometeu a ressurreição dos justos e das justas para todos os que realizarem o bem (cfr. Lc 14,14). Nós dizemos no creio apostólico: “Creio na ressurreição da carne”.
O dia de finados é um dia de agradecimento a Deus pela vida que foi dada pela pessoa que partiu desta realidade. Deus é a vida em abundância de modo que nós vivemos um pouco de sua graça, neste mundo. É claro que nós buscamos a justiça quando a vida é tirada por morte violenta ou pela causa social, evangélica. O pecado humano fez com que a morte entrasse neste mundo. Mas o Senhor Jesus encarnado nos levou com sua morte e ressurreição, à vida divina, à vida eterna. Ele venceu o pecado, a morte e Ele é o eterno vivente no meio de nós(cfr. Ap 4,9).
Nós também entendemos que o dia de finados é a lembrança das pessoas que viveram o seguimento a Jesus, ou conheceram a sua vontade e a realizaram. Nós lembramos todas as outras pessoas que não tiveram um conhecimento com o Senhor, e realizaram obras de caridade. Afinal, nós não esquecemos ninguém. Muitas dessas pessoas tiveram uma vida de santidade, de empenho comunitário e social e as recomendamos ao Senhor Deus Uno e Trino, o Deus da vida. “Ninguém dentre nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos, e se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, vivos ou mortos, pertencemos ao Senhor. Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos mortos e dos vivos”(Rm 14, 7-9).
A morte na natureza humana.
A morte faz parte da natureza humana. É o fim das funções vitais do ser humano, nos animais ou em todo organismo vivente[2]. Por morte natural, também por ocasião da Covid 19 e também por outras doenças ou mortes violentas, nós tivemos milhares de mortes nestes últimos tempos. As pessoas choraram os seus entes queridos, e ainda que não ficassem de perto para fazer um velório, elas lembraram as suas vidas, o seu carinho, o seu sorriso, a sua doação como ser humano na família, na comunidade e na sociedade. A nossa solidariedade como pessoas humanas que crêem em Deus Uno e Trino, vai pela misericórdia e pela compaixão.
A referência do luto.
O luto é um sentimento humano de profunda dor pela morte de uma pessoa que vivia em nosso meio. A pessoa partiu deste mundo. Para quem estava próxima da pessoa morta, e que de fato manifestava amor, os sentimentos são profundos. Não há palavras que explicam o luto, mas somente a oração e a volta de nosso olhar para a cruz de Cristo, encontrando-se ali, explicações pela morte de pessoas que nos deixaram. Cristo morreu pela salvação de toda a humanidade.
O luto faz a pessoa unida com os familiares que sentem a partida porque alguém foi tirada de suas vidas. Nós vemos no Facebook, e também em outros meios de comunicação social, as pessoas postarem que estão de luto, rezam pela mesma, pelo descanso eterno da pessoa que partiu deste mundo.
A morte como passagem.
Para nós cristãos, cristãs, seguidores e seguidoras de Jesus Cristo e de sua Igreja nós acreditamos que a morte não é o fim de tudo, mas é uma passagem para a vida eterna. Num dos prefácios da eucaristia que o sacerdote lê por ocasião de alguma pessoa que partiu deste mundo, ele diz: “Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado nos céus, um corpo imperecível”. A palavra de Jesus é clara no sentido de que se nós vivermos e nós crermos nele, ainda que tenhamos que morrer, viveremos para sempre (cfr. Jo 11,26).
Os mosteiros na antiguidade e também na Idade Média colocavam no alto de uma torre, uma frase onde recordavam para a pessoa e para o monge que algum dia ele morreria. Assim à morte, é fundamental a preparação em vida através de obras boas, de caridade, de amor. O noivo, o Senhor Jesus virá, de modo que é preciso aguardá-lo com alegria e com amor (cfr. Mt 25,6). Desta forma nós somos chamados a viver bem na família, na comunidade e na sociedade.
Jesus nos diz: “Quem quiser salvar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará” (Mt 16, 25). Na verdade todos nós queremos a salvação, no entanto o Senhor nos pede que a salvação venha pela doação de si mesmo aos outros e para Ele, e assim a pessoa terá a salvação. Como Cristo Jesus nós somos chamados ao serviço (cfr. Mc 10,45). Porque se a pessoa só busca a si mesmo, não ajuda o próximo, o pobre, aquele que mais necessita dele, fica fechado ao amor do Senhor para com o próximo, não participa da comunidade, não vive a fé, a esperança e a caridade, ela se perderá, porque ela buscou a sua salvação, pelo resguardo dos seus dons e de suas qualidades. Desta forma nós entendemos que a vida, como grande dom que o Senhor nos concedeu para viver seja bem vivida pelo carregamento da cruz, pelo seguimento ao Senhor, no amor e na doação de si mesmo para os outros, semelhante ao gasto de uma vela sobre o altar, que se consume aos poucos pela causa do Reino de Deus. Jesus mesmo deu a sua vida pela salvação de todos e disse que “Ninguém tem maior amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13).
O dia de finados é um dia de luto com a esperança da ressurreição da carne que o Senhor Deus dará para todas as pessoas que trabalharam pelo bem, pela justiça, pela paz, pelo amor a Deus ao próximo como a si mesmo. Nós rezamos por todos os mortos. É um dia de esperança e de muito amor ao Senhor pela vida concedida aos nossos irmãos e irmãs que partiram deste mundo e agora estão junto de Deus Uno e Trino.
[1] Tertulliano, La resurrezione dei morti, I, 1, traduzione, introduzione e note a cura di C. Micaelli. Roma: Città Nuova Editrice, 1990.
[2] Cfr. Morte. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 986.