Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
O Senhor Jesus é Deus, homem e Salvador. A sua presença é ainda mais suplicada na atualidade frente à crise sanitária mundial decorrente do novo corona vírus e outras doenças do corpo e da alma. Os fiéis recorrem ao Senhor pedindo auxílio e cura para seus sofrimentos e suas angústias, assim como clamam a Deus para que o Espírito Santo ilumine os cientistas e profissionais da saúde no desenvolvimento de vacinas e medicamentos para a superação da pandemia. Assim como os médicos oferecem aos doentes os medicamentos necessários à cura das enfermidades, Cristo Jesus, que é o verdadeiro médico, oferece muito mais, sarando todos os males do corpo e da alma, pois Ele é o salvador da humanidade. Apresentamos, a seguir, na visão dos primeiros padres da igreja, a concepção de Jesus Cristo na sua missão de médico e salvador.
Cristo, o ungido do Pai.
A Igreja nascente enfatizou a dimensão do Messias, o Ungido do Senhor, Christòs, Cristo, pré-anunciado pela tradição judaica, o qual fora concebido na sua dimensão humana e, portanto, capaz de sofrer e de morrer. Ele foi predito como o Filho de Deus, sendo Deus Ele mesmo, por meio do qual o mundo foi criado e também foi redimido[1]. Jesus Cristo, o Verbo Divino que se fez carne (cfr. Jo 1,14) veio ao mundo para a remissão da humanidade, marcada pela sombra do pecado, de modo a prevalecer a vida sobre a morte. Nesta perspectiva, Ele formou os seus discípulos, curou muitos doentes e evangelizou os pobres, anunciando-lhes o Reino de Deus. Pela sua morte e ressurreição, restaurou a humanidade decaída, reconciliando-a com o Deus Criador.
O Filho se encarnou na realidade humana.
Tertuliano, padre do século III, seguindo o credo apostólico, asseverou que todas as coisas foram criadas pelo Senhor Jesus. Ele foi enviado pelo Pai e se encarnou no seio da Virgem Maria, dela nascendo como homem e Deus, Filho do Homem e Filho de Deus, chamado Jesus Cristo, o qual sofreu, morreu, foi sepultado segundo as Escrituras, ressuscitado pelo Pai, elevado ao céu, sentou-se à direita do Pai e virá para julgar os vivos e os mortos[2]. A encarnação do verbo de Deus é a dimensão de vida e de salvação para o gênero humano.
O Senhor Deus assumiu a natureza humana.
Orígenes, padre do século III, afirmou que o Senhor Deus assumiu o corpo e a alma para a salvação humana. Para o alexandrino, na pessoa do Cristo, é possível afirmar a troca das propriedades como ser humano e como Deus. O Filho de Deus morreu, isto é, pela natureza que de fato podia sofrer a morte; e é chamado Filho do Homem, o qual retornará na glória de Deus Pai com os santos anjos[3].
Cristo, médico da alma.
Pseudo-Macário, um monge do Egito do século IV, afirmou que o Senhor Deus é o único médico que sara as nossas almas pela Sua paixão, morte e ressurreição. Ele bate à porta de nosso coração a fim de que repouse em nossas almas e acalente todo o nosso ser. Por essa razão, o Senhor aceitou sofrer a morte, com o fim de resgatar-nos da escravidão do pecado e de permanecer em nossas almas. Ele nunca desiste do ser humano. O autor pede que nós O acolhamos e que Ele seja introduzido na nossa intimidade, pois Ele é o nosso alimento, a nossa bebida, a nossa vida eterna[4].
Os merecimentos de Cristo Jesus.
Pseudo-Macário sustentou, ainda, que a alma humana alcançará o remédio para sarar as contínuas e incuráveis feridas, adquiridas pelas suas faltas, através dos merecimentos de Cristo. Desta forma, o Senhor se faz presente na humanidade para fornecer-lhe todas as curas, Ele que é o único e verdadeiro médico e sara as almas dos fiéis, libertando-os das paixões e de suas malícias[5].
Adão encontrou em Cristo a glória perdida.
Efrém, o Sírio, teólogo do século IV, afirmou que o nascimento de Cristo Jesus concedeu à Adão a glória que tinha perdido por causa do pecado original. De sua infinita grandeza, Deus se fez pequeno, habitando entre nós, por amor ao ser humano. Ele deixou-se humilhar para vencer o mal, que no princípio da criação enganou o ser humano, para elevá-lo até o céu. Graças à divina misericórdia que foi derramada sobre os habitantes da terra, o mundo doente sarou pelo médico divino e humano que nela apareceu[6].
A missão do Cristo médico e salvador.
Santo Agostinho, bispo dos séculos IV e V, exaltou a missão do Cristo médico e salvador, que oferta uma medicina para toda a humanidade, a qual reprime todos os tumores, reanima tudo o que é fraco, arranca todos os crescimentos, guarda tudo o que é essencial, repara todas as perdas e corrige todas as depravações. Desta forma, o reino dos céus não é fechado, pois os publicanos e as prostitutas ouviram a mensagem do Precursor e do Senhor e O seguiram pelo caminho da conversão (cfr. Mt 21,32)[7].
Cristo veio para dizer que Deus ama o ser humano.
Seguindo o apóstolo São João, Santo Agostinho exaltou o amor infinito de Deus pelo ser humano, a fim de que este se inflamasse de amor para com aquele que o amou primeiro (cfr. 1 Jo 4,10-19) e também amasse o próximo, a exemplo daquele que, por amor, se fez próximo de quem não lhe era próximo. O Senhor Jesus Cristo, Deus homem, é a manifestação do amor divino para conosco e o exemplo de humildade junto a nós. O orgulho humano foi curado por um remédio ainda maior, o amor de Deus. Se o ser humano, quando é orgulhoso, diz Santo Agostinho, converte-se em uma grande desgraça, o Deus humilde torna-se fonte de infinita misericórdia[8].
A encarnação do Verbo como Salvador.
Teodoreto de Cirro, bispo na Síria do século V, assegurou que a encarnação de nosso Salvador é o atestado eloqüente de seu projeto de amor para com a humanidade. Se todas as obras da criação são importantes, muito mais importante foi a bondade do Salvador, pelo fato que o mesmo Unigênito Filho de Deus, que possui a natureza divina (cfr. Fl 2,6), esplendor da sua glória, expressão da sua substância (cfr. Hb 1,3), que existia desde o princípio e estava junto de Deus, e Ele mesmo Deus do qual foi criada todas as coisas (cfr. Jo 1,1-3), foi revelado com o aspecto de um escravo (cfr. Fl 2,7) para ser semelhante ao ser humano na aparência exterior, para assumir em si as nossas enfermidades e superar os nossos males[9].
Cristo morreu por nós.
Ainda em Teodoreto de Cirro, que seguiu também o apóstolo São Paulo, afirma-se que Cristo morreu por nós ainda que sejamos pecadores (cfr. Rm 5,8). São João enaltece que Deus amou o mundo ao ponto de sacrificar o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que Nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna (cfr. Jo 3,16). Deus amou de fato o mundo ao enviar o seu Filho, que se fez médico e salvador da humanidade. O Criador veio ao nosso encontro para a nossa salvação[10], dando-nos a vida e a saúde necessárias para a continuidade da nossa existência.
A doutrina de Cristo como médico e salvador completa-se no Senhor Jesus Cristo que se fez carne, humano como nós em tudo, menos no pecado (cfr. Hb 4,15). Tal doutrina está presente nos evangelhos, nos primeiros escritores cristãos e no mundo atual, especialmente neste momento delicado de pandemia e tantos outros males, sejam eles materiais ou espirituais, em que a presença do Senhor Jesus é essencial para a cura de todas as doenças e salvação da humanidade, preparando-nos para a vida eterna.
[1] Cfr. M. Simonetti, Cristologia. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angelo Di Berardino. . Marietti, Genova-Milano, 2006, pg. 1283.
[2] Cfr. Tertulliano, Contro Prassea, 2,1, a cura di Giuseppe Scarpat, Società Editrice Internazionale, Torino, 1985, pgs. 145-147.
[3] Cfr. Orígenes, Tratado sobre os Princípios, 6,3. Paulus, SP, 2012, pg. 163.
[4] Cfr. Pseudo-Macario, Omelie spirituali, 30,9. In: Idem, pg. 99.
[5] Cfr. Idem, 48,1-3, pg. 180.
[6] Cfr. Efrem, Siro, Inno per la nascita di Cristo, 1. In: Idem, pgs. 162-163.
[7] Cfr. Il Combattimento Cristiano, 11,12. In: Opere di Sant`Agostino. Morale e Ascetismo Cristiano, VII/2. Nuova Biblioteca Agostiniana, Città Nuova Editrice, Roma, 2001, pg. 97.
[8] Cfr. Santo Agostinho, Primeira Catequese aos não cristãos, IV, 8. Paulus, SP, 2013, pgs. 79-80.
[9] Cfr. Tedoreto di Ciro, La provvidenza divina, 10. In: La teologia dei padri, v. 2. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 52.
[10] Cfr. Idem, pg. 53.