O batismo em Tertuliano
Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
Tertuliano, padre dos séculos II e III, do Norte da África, em Cartago, elaborou uma importante obra chamada de: De Baptismo, o Batismo. Ela ganhou uma importância fundamental para a história da iniciação à vida cristã, o catecumenato antigo, não só por Tertuliano colaborar neste processo, mas também pelos sacramentos do batismo, da confirmação e da eucaristia na Igreja antiga. É a primeira obra escrita sobre este sacramento antes do Concílio de Nicéia, ano 325. Foi uma obra importante no seu contexto e era também dirigida contra a heresia dos cainitas, tendo na frente Quintila que levantava dúvidas sobre a eficácia da água no batismo[1]. Tertuliano esclareceu aos seus ouvintes a importância da água no batismo cristão. Façamos uma analise a seguir sobre alguns pontos no teor desta obra importante para todo o cristianismo.
Tertuliano iniciou a obra falando do sacramento da nossa água, que sendo lavados os pecados da precedente cegueira, estamos liberados para a vida eterna, na qual muitos estão se preparando para o batismo de modo que a sua fé não estaria sujeita às tentações[2]. Neste sentido o autor criticou uma pessoa chamada Quintila, que era da heresia dos cainitas que com sua doutrina afastava muitas pessoas do batismo afirmando a não necessidade da água, assemelhando-se assim as víboras que procuram lugares ásperos e privados de água. Contrariando essa pessoa e a seita dos cainitas, Tertuliano afirmou que como ele e outros eram como peixinhos, que nascem na água em conformidade ao grande peixe, ICHTÙS[3], Jesus Cristo e somente permanecendo na água como Senhor, seguindo os seus passos, somos salvos[4]. Somos peixinhos que não podem ficar fora da água em vista da salvação.
O padre africano colocou em seguida o valor da água, como sendo uma obra das maravilhas de Deus. Não há nada que surpreenda as mentes das pessoas senão a simplicidade das obras divinas que aparecem nas coisas e a grandeza que é promessa nos seus efeitos. Desta forma o ser humano, sem muitas aparências da água e na simplicidade das coisas, desce na água e banhado, enquanto são pronunciadas poucas palavras, ressurge para o nada mais puro, feliz pela realização da eternidade[5]. Viu-se a importância do batismo nas pessoas, sobretudo adultos convertidos ao cristianismo,
[1] Cfr. Johannes Quasten, Patrologia. I primi due secoli (II -III). Marietti, Casale, 1980, pg. 520-521.
[2] Tertulliano, Il battesimo, 1,1. Texto critico di CCL 1, de J. G. Ph. Borleffs. Introduzione, traduzione, note e appendice, Attilio Carpin. Edizioni San Clemente, Edizioni Studio Domenicano, Bologna, 2011, pgs. 123-125.
[3] O significado é peixe em grego, mas tomando-o na forma acróstica possui um significado de Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador (Iesus Chrístos Theós Uiós Sóter), Cfr. Idem, pg. 126.
[4] Cfr. Idem, 1,3, pg. 127.
[5] Cfr. Idem, 2,1, pgs. 127-129.
dentro do catecumenato antigo, o processo da iniciação à vida cristã. São justamente essas coisas que são dadas na simplicidade na qual a morte do pecado é dissolvida pelo banho, o que era negada pela seita dos cainitas, porque não acreditavam no banho da água que daria a remissão dos pecados, por causa do batismo. Por isso Tertuliano convidou a eles a acreditar ainda mais na verdade do batismo. São assim as obras divinas capazes de superar todo o espanto. É desse fato que os cristãos estão maravilhados das coisas simples, que mesmo aparecendo pequenas são grandiosas diante do Senhor. É a palavra de Deus que guia também os passos de Tertuliano em relação aos cainitas pelo qual Deus escolheu aquilo que no mundo é loucura pra confundir a sabedoria, ou os sábios e aquilo que se torna difícil para os seres humanos é possível para Deus (cfr. 1 Cor 1,27; cfr. Lc 18,27). Assim como Deus é sábio e poderoso escolheu elementos da sua obra aquilo que não é contrario à sua sabedoria e poder, assim também quanto é louco e impossível negar a eficácia daquilo que é causada, a vida com Deus pelas águas do batismo[1].
Tertuliano tratou o argumento contrariando a prescrição dos cainitas no sentido de que é louco e impossível o ser humano seja transformado por meio da água[2]. Por isso é importante dar uma visão geral do elemento da natureza, e verificar a importância desta obra liquida. A água é importante que antes mesmo de qualquer ordem do mundo, descansava junto a Deus[3]. Como diz a Escritura Deus fez o céu e a terra; mas a terra era invisível e caótica e as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus pairava sobre as águas(Cfr. Gn 1,1-12). Tertuliano quis levar as pessoas a dar atenção para as águas, sendo uma substância antiga e pela sua importância enquanto criatura, era morada do Espírito divino que a preferiu a todos os outros elementos[4]. Só a água, é matéria sempre perfeita, fecunda, simples, na qual Deus ofereceu um digno veiculo para o ser humano. Em seguida o Criador após ter ordenado o mundo segundo os seus elementos, para torná-lo habitável o Senhor mandou as águas primordiais de criar os seres viventes[5]. Pelo fato das águas primordiais geraram vida, da mesma forma no batismo as águas podem produzir vida[6]. Quando o Senhor formou o ser humano, a água também ajudou a produzir o lodo, o barro nas mãos do Criador, por causa do liquido que tinha modificado em barro.
Tertuliano colocou a importância da água que é grande a sua força ou o seu benefício, quantas qualidades, quantas capacidades, quantos serviços oferecem ao mundo, na qual merecem um louvor porque está ligada ao batismo. O fato é que Deus utilizou-se dessa matéria em relação às outras coisas,
[1] Cfr. Idem, 2,3, pg. 129.
[2] Cfr. Idem, 3,1, pg. 131.
[3] Cfr. Idem, 3,2, pg. 131.
[4] Cfr. Ibidem.
[5] Cfr. Idem, 3,4, pg. 133.
[6] Cfr. Ibidem.
fecunda também nos seus sacramentos, de modo que esta regula a vida terrena é também as realidades divinas[1].
Tertuliano deu uma visão dos eventos das origens, reconhecendo a razão do batismo, na qual vinha prefigurado o sacramento pela água, pelo fato mesmo que o Espírito de Deus pairava sobre as águas, permaneceu sobre as mesmas, as águas, como infusão de vida. O Santo Espírito se movia sobre uma coisa santificada por Ele, a água[2], que deveria ser utilizada no batismo. A água é a mesma seja aquela lá no inicio das origens, seja aquela em que o Senhor Jesus foi batizado no Rio Jordão. Portanto em virtude do antigo privilégio das origens, todas as águas, uma vez invocado Deus sobre elas, obtêm a força de santificar pela presença do Espírito Santo[3]. De fato o batismo se assemelha a uma simples ação, porque somos manchados pelos pecados como pela sujeira, somos lavados com a água[4]. É a pessoa que peca de modo que o batismo nos lava dos pecados, pela presença do Espírito Santo.
Tertuliano deu um grande valor ao batismo, com a presença da água, sendo o elemento externo do sacramento que possibilita a pessoa ser ‘banhada’, introduzida no mistério divino, em nome de Deus Uno e Trino. Ele teve que se defrontar com os cainitas, com Quintila, pois não acreditavam na eficácia da água para a remissão dos pecados. O batismo nos lava dos pecados e nos ajuda a viver a unidade na família, na comunidade e na sociedade testemunhando o amor do Senhor e um dia nós vivamos a sua graça na vida eterna.
[1] Cfr. Idem, 3,6, pg. 133.
[2] Cfr. Idem, 4,1, pg. 135.
[3] Cfr. Idem, 4,4. pg. 137.
[4] Cfr. Idem, 4,5, pg. 137.