O martírio é a prova máxima da caridade com o Senhor e um testemunho admirável de vida diante do povo. A pessoa dava a sua vida pelo Senhor, de modo que era admirada a sua fé na ressurreição da carne. Temos alguns depoimentos dos padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos na Igreja antiga que iluminam os tempos atuais, cheios também de mártires que deram suas vidas pela causa do Reino de Deus. Será muito importante perceber as idéias dos escritores antigos, porque muitos deles foram mártires, de modo que as coisas foram realizadas na fé da ressurreição da carne, porque houve uma entrega de tudo ao Senhor e à sua Igreja.
Para Santo Inácio de Antioquia, bispo, nos séculos I e início do II pensava o martírio como ocasião de alcançar a Deus de modo que pedia aos romanos para que pudessem ficar calados, guardando o silêncio a respeito dele, porque ele se tornaria pertencente a Deus. O bispo não queria que desejasse outra coisa senão ser oferecido em libação a Deus, enquanto existia altar preparado[1]. Ele desejava ser chamado de cristão, de fato, quando chegasse este momento de dar a vida pelo Senhor. O cristianismo ao ser perseguido mostra a sua grandeza[2]. O bispo queria morrer para Deus, caso os romanos não o impediriam. Ele pedia que fosse pasto das feras, por meio das quais era concedido alcançar a Deus. Ele mesmo se considerava trigo de Deus, e ele seria moído pelos dentes das feras para que se apresentasse como trigo puro de Cristo. Só desta forma ele seria verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo quando o mundo não viria mais o seu corpo. Ele pedia para a comunidade romana para que suplicasse a Cristo por ele, para que fosse uma vítima oferecida a Deus. Se ele sofresse seria um liberto de Jesus Cristo, e ressurgiria nele como pessoa livre[3]. Mesmo que os sofrimentos fossem terríveis o desejo dele era alcançar a Jesus Cristo[4]. Inácio afirmou que era melhor morrer para Cristo Jesus do que ser rei até os confins da terra. Ele procurava aquele que morreu pela humanidade e também ressuscitou dos mortos para cada um de nós. Ele pedia que deixasse ser imitador da paixão do seu Deus[5]. Dentro dele haveria uma água pura que dizia com ardor que deveria ir para o Pai. Ele desejava o pão de Deus, que é a carne de Jesus Cristo e por bebida desejava o sangue dele que é o amor incorruptível[6].
Clemente de Alexandria, escritor do século III afirmou que é alegre o sacrifício da vida no martírio, para quem segue a Cristo Jesus até o fim. O verdadeiro gnóstico se for chamado obedece Aquele que lhe pede o sacrifício do corpo oferecendo-lhe com alegria, sendo também afastado das paixões da carne. A pessoa dará a vida pelo Senhor, uma vez que Ele veio a este mundo para se entreter com os mortais. O martírio é sempre uma ocasião para testemunhar o amor do Senhor, na visão de Clemente diante das pessoas e dos perseguidores dos cristãos. Confirma assim com os fatos a verdade da pregação mostrando o poder de Deus, na qual o mártir se inclina. O mártir evita de renegar a Cristo, não só por medo, nem menos pela esperança dos dons preparados unida à sua fé, mas por amor ao Senhor na qual abandona com prontidão esta vida. O fato é que o martírio não foi procurado, mas pela sua vivência da fé e do amor a Cristo e à sua Igreja. Nos confrontos com o perseguidor, a pessoa está cheia de apoio, em relação ao Senhor Deus, a pessoa está cheia de amor, pelo qual o amor dado a Deus que o conhecia, antes mesmo do nascimento, assume o propósito de sofrer o martírio. Para Clemente Alexandrino o mártir é testemunha na sua vida e com as suas palavras, como parte do corpo, porque derrama o seu sangue, seguindo a Cristo Jesus, de modo que é bem-aventurado porque deu não um simples testemunho, mas o testemunho do verdadeiro gnóstico, vivendo por amor do Senhor, segundo a regra do evangelho. O sentido do nome e a noção do evangelho significam a verdadeira gnose. O mártir abandona os seus parentes daqui de baixo, a todas as coisas para viver livre de toda a paixão, para se tornar amigo de Deus[7].
Para santo Agostinho, bispo dos séculos IV e V, os mártires dão testemunho a favor da fé na ressurreição. O testemunho dos milagres ocorridos nos lugares destinados ao culto dos mártires dá testemunho da fé na ressurreição de Cristo na carne e na sua ascensão ao céu. Os mesmos mártires foram testemunhas desta fé, isto é, suas testemunhas, diante do mundo, dos perseguidores, os quais venceram não combatendo, mas morrendo. Foi por esta fé que os mártires foram mortos e assim a deram ao Senhor, cujo nome foram mortos. É a ressurreição da carne em vista da eternidade, como o Senhor previu e os profetas anunciaram o Cristo, ao derramar o sangue em vista da ressurreição dos mortos no Senhor[8].
[1] Cfr. Inácio aos romanos, 2. In: Padres Apostólicos, São Paulo, Paulus, 1995, pg. 104.
[2] Cfr. Idem, 3, pg. 104.
[3] Cfr. Idem, 4, pg. 105.
[4] Cfr. Idem, 5, pgs 105-106.
[5] Cfr. Idem, 6, pg 106.
[6] Cfr. Idem, 7, pgs. 106-107.
[7] Cfr. Clemente Alessandrino, Stromata, 4,13-15. In: La teologia dei Padri, vol. 04. Città nuova editrice, Roma, 1984, pgs. 47-48.
[8] Cfr. Agostino, La città di Dio, 22,9. Idem , pgs. 67-68.
Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.