Marabá, 04 de outubro de 2024

A paz na vida atual e nos padres da Igreja

21 de julho de 2022   .    Notícias da Diocese

Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

            A paz é dom de Deus e é também responsabilidade humana. Ela seja estimulada por todas as pessoas de boa vontade em vista de sua construção real. É preciso rezar para que o dom divino da paz se concretize em nosso mundo a fim de que todas as pessoas se amem de verdade. Nós presenciamos algumas guerras pelo mundo afora e também em nossa nação de modo que estas sejam superadas pelo diálogo, pela reconciliação entre as pessoas e entre os povos.

Como já se aproximam as eleições, estamos vendo nesses dias, casos violentos, mortes de familiares, motivados também pelas radicalizações políticas, partidárias. São casos relacionados por mortes de inocentes. Pelo fato de que ainda não estamos no período da propaganda eleitoral, elevemos a nossa voz ao Senhor, para que haja a paz entre todas as partes. As autoridades cuidem nos seus discursos a fim de não inflamar mais ainda o tecido social, tão ferido, sobretudo para com os mais pobres. É fundamental construir laços de paz entre as partes interessadas, pelo diálogo, pela aceitação das diferenças partidárias, ideológicas, e buscar o amor de Deus, ao próximo como a si mesmo. A democracia é ação a ser implantada sempre mais na sociedade e no mundo de hoje. Veremos a seguir a forma como os padres da Igreja, os primeiros teólogos cristãos construíram laços de paz entre os diferentes povos onde o cristianismo foi divulgado.

            A paz dá-se na concórdia.

            Santo Agostinho, bispo de Hipona, séculos IV e V, afirmou que a paz é um grande dom de Deus dado na concórdia entre as partes. A paz do corpo é dada pela ordem nas suas partes. A paz da alma racional é o consenso ordenado do conhecimento e da ação. A paz entre o corpo e a alma é a vida ordenada e bem estar físico. A paz entre os seres humanos é a concórdia ordenada. A paz entre o ser humano mortal e Deus é a obediência ordenada na fé sob a lei eterna do amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. A paz de todas as coisas é a tranqüilidade da ordem[1]. Deus criou tudo em paz de modo que os seres humanos são chamados a construir relações de paz.

            Amor para os seres humanos.

            Santo Agostinho ainda disse que é preciso ter amor para com todos os seres humanos, pela diversidade de opiniões e de ações. Isto deve ser sempre mais estimulado na convivência a fim de estabelecer a paz entre todas as pessoas. A distinção entre bons e maus não é uma ação segura para ninguém. A separação cabe Àquele que não erra porque não colocará o mau à direita nem o bom à esquerda. Nesta vida é difícil o conhecimento próprio, quanto mais será difícil proferir ao outro uma sentença improvisada. Desta forma o conhecimento de alguma pessoa que hoje está na maldade, talvez será mudado amanhã e o que hoje é odiado de uma forma intensa, será nosso irmão e irmã, logo mais. É preciso odiar com segurança a malicia dos maus e amar a criatura de tal sorte que amemos o que Deus criou nas pessoas. Todas as pessoas são chamadas a amar o que Deus criou e odiar o que fez ser humano, o pecado, para assim ter paz necessária para todos[2].

            O amor cristão é dado para todas as pessoas.

            São Fulgêncio de Ruspe, atual Tunísia, bispo nos séculos V e VI afirmou que os cristãos eram chamados a viver a palavra de Cristo do amor para com todos os seres humanos, conhecidos e desconhecidos, bons e maus, amigos e inimigos. A caridade cristã é benfazeja, não é invejosa, ambiciosa, não busca o seu próprio interesse, não goza da injustiça, mas se alegra na verdade; nela tudo crê, espera, suporta o bem que jamais passará (1 Cor 13, 4). A caridade abraça os amigos estendendo-se também aos inimigos. O próprio Senhor disse para amar os inimigos, fazer o bem para aqueles que odeiam a vida da gente e pregar por aqueles que perseguem os fiéis e caluniam a vida dos seguidores de Cristo (Mt 5,44). O Senhor ordena para os seus discípulos de estender o amor até aos inimigos, de dilatar a bondade de coração cristã até aos perseguidores. Quem amará os inimigos e beneficiará a quem os odeia, será filho de Deus Pai que está nos céus (Mt 5,45)[3].

            O desejo da paz.

            São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, séculos IV e V, afirmou o desejo da paz que está no coração de todas as pessoas e dos povos. Cada fiel possui um anjo, como disse Jacó que educa a pessoa e defende-a desde a juventude (Gn 48,16). Por isso os fiéis suplicam em alta voz ao anjo da paz e em todo o lugar pedindo ao Senhor a paz porque nada a iguala. Nas Igrejas, nas orações, nas saudações invoca-se a paz, muitas vezes. Ela se constituiu como a mãe dos bens divinos e o fundamento da alegria. Onde a paz não reina, tudo é vão. É a paz que predispõe o caminho do amor. Quem preside a Igreja não diz somente paz às pessoas mas também paz a todos. A paz é um bem muito grande que são chamados filhos de Deus aqueles que a operam e a difundem (Mt 5,9). O Filho de Deis veio neste mundo para estabelecer, na palavra do apóstolo Paulo, a paz, para que ela reine seja na terra, seja no céu (Cl 1,20)[4].

            O desejo da paz.

            São Jerônimo, presbítero dos séculos IV e V, disse que a paz se constrói pelo desejo e pelos fatos entre as pessoas e os povos. Só o desejo de realizá-la terá a sua recompensa por parte de Deus, mas o fundamental é poder dar-se a reconciliação, entre as partes conflituosas. O Apóstolo São Paulo já dizia da importância de as pessoas manterem a paz com todos os seres humanos (Rm 12,18). As pessoas imploram a implantação da paz, aquela que vem de Cristo, a paz autêntica, sem resíduos de hostilidade, uma paz que não esconde em si a guerra, mas aquela paz que une a todos em Cristo na amizade e no amor[5].

            A paz é feita pela caridade.

            São Jerônimo ainda dizia que a paz é feita pela caridade. O fato é que onde existe o ódio tem hostilidade, não tem paz. Mas onde existe a caridade, lá existe a paz e vale o contrário, onde a paz é percebida, a caridade reina nas pessoas. Quem não anda em comunhão, dilacera-se da vida da comunidade eclesial, não se sentindo feliz e contente. A paz é dada pela caridade, de quem de fato a procura em sua vida e na vida das pessoas. Jesus disse que a oferta verdadeira é aquela da reconciliação com o próximo, porque caso contrário a pessoa deixará sobre o altar a sua oferta para ir se reconciliar com o outro e depois sim poderá oferecer a sua oferta a Deus (Mt 5,23s), de modo que a pessoa estará em paz por uma ação caritativa[6].

            A paz é um dom de Deus para ser construído nas relações humanas. Ela é a vivência do amor. Os padres da Igreja eram bem objetivos em perceber a importância da paz nas relações familiares, comunitárias e sociais. A paz verdadeira era aquela que vinha de Cristo Jesus na qual consistia na construção de harmonias, de vivências de perdão e do amor ao próximo, do amor a Deus como a si mesmo. O povo de Deus é chamado a viver em paz para testemunhar o amor misericordioso do Senhor para todas as pessoas. Nós rezemos para que paz reine na família, na comunidade e na sociedade.

[1] Cfr. Agostino. La Città di Dio, 19,13. In: La teologia dei padri, v. 3. Roma, Città Nuova Editrice, 1982, pg. 204.

[2] Cfr. Santo Agostinho. Comentário aos Salmos, 139, 2. São Paulo, Paulus, 1998, pgs. 894-895.

[3] Cfr. Fulgenzio di Ruspe. Prediche, 5,4-6. In: La Teologia dei padri, v. 3, pgs 209-210.

[4] Cfr.Giovanni Crisostomo. Commento alla lettera ai Colossesi, 3,4. In: Idem, pg. 211.

[5] Cfr. Girolamo. Le Lettere, III, 1-2 (A Teofilo). In:idem, pgs. 213-214.

[6] Cfr. Idem, pg. 214.

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